África e Rússia: acordo em energia nuclear e influência geopolítica
- CERES
- há 1 dia
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Luis Augusto Medeiros Rutledge
Geopolítica Energética
Nos últimos anos, vários países africanos assinaram acordos de cooperação com a Rússia, com a intenção de empregar o potencial da energia nuclear para iniciativas de maior alcance territorial da eletricidade, desenvolvimentos agrícolas e, principalmente, socioeconômicos.
Historicamente, os países africanos sempre foram alvos de interesse das lideranças globais em buscam de influência sobre governos locais que se traduzem em maior alcance econômico, político e militar. A combinação de grandes recursos naturais, localização estratégica e mercados em expansão faz do continente um foco de interesse para governos que desejam reforçar sua presença na África.
Entre os benefícios que as potências globais estão oferecendo para ganhar força no continente estão as parcerias nucleares. Em 2024, a Rosatom, empresa estatal russa de energia, assinou um acordo nuclear com a República do Congo. Muito recentemente, Rússia e Uganda revelaram intenções de se unir em um projeto nuclear que envolveria a construção de uma usina nuclear no país da África Oriental. E, este ano, o Ministério da Energia da Argélia assinou um memorando de cooperação com a Rosatom, enquanto que a Etiópia está reforçando seus objetivos de segurança energética com a construção planejada de uma mega usina nuclear.
Em grande parte da África, a energia nuclear é percebida como um caminho viável para resolver a persistente falta de energia e dinamizar a industrialização, sobretudo diante da percepção de que as parcerias tradicionais com países ocidentais não entregaram o progresso esperado.
Um olhar mais atento aos movimentos no continente africano, demonstram que acordos de cooperação energética têm sido comuns nos últimos anos, ressaltando o esforço da Rússia para impor sua influência na identidade econômica africana. O número crescente de acordos de cooperação nuclear entre nações africanas e a Rússia tem inúmeras ramificações.
No cenário de crescente complexidade geopolítica, a Rússia — frequentemente caracterizada como um ator global relativamente isolado — tem procurado ampliar sua presença no continente africano por meio de instrumentos considerados legítimos de cooperação, valendo-se, nesta ocasião, de sua capacidade tecnológica no domínio da energia nuclear.
Em termos práticos, o país dispõe de potencial técnico para contribuir com a superação da persistente insuficiência energética que continua a limitar o desenvolvimento econômico sustentável em diversas regiões da África.
Além disso, a trajetória russa ao longo das três últimas décadas evidencia esforços consistentes no sentido de fortalecer parcerias energéticas que favoreçam Moscou.
Com as atenções voltadas principalmente com as ações geoestratégicas e militares da Rússia, sua cooperação nuclear com nações africanas mostra um objetivo e propósito mais profundos.
A Rússia está envolvida no desenvolvimento de atividades nucleares em nível internacional há bastante tempo. Possui um programa avançado de energia nuclear e conta com energia nuclear civil e militar de primeira linha. E, se utiliza estrategicamente de sua tecnologia nuclear além de suas fronteiras, principalmente a região africana.
Falando em perspectiva estratégica, a cooperação nuclear na África é fundamental para a Rússia, pois pode diversificar seu impacto na região, que foi substancialmente ditado por países ocidentais.
A África é dotada de recursos naturais e, graças à crescente influência da Rússia no continente, obtém acesso a esses recursos, que podem incluir urânio, petróleo e minerais. De acordo com os novos contratos de cooperação em energia nuclear com os Estados africanos, a Rússia está penetrando ativamente nas áreas da cooperação energética e buscando uma posição dominante na perspectiva das fontes globais de energia.
Ainda, a detenção de tecnologia nuclear confere à Rússia a capacidade de projetar influência estratégica em um continente que vem gradualmente consolidando sua relevância no cenário internacional. Enquanto um dos blocos regionais mais significativos nas Nações Unidas e na União Africana, a África exerce peso político considerável, e a Rússia demonstra interesse em ampliar seu círculo de interlocutores e apoiadores entre as lideranças africanas.
Devemos relembrar as relações históricas. Rússia e África têm excelentes relações desde a época soviética. De uma avaliação objetiva, a Rússia não deve absolutamente nada à África e, consequentemente, não fez compromisso financeiro público para investimentos na África. Essa deve ser a tarefa preferida das instituições financeiras africanas de listar as prioridades mais importantes do continente.
Hoje, os países africanos enfrentam desafios sem precedentes. O rápido crescimento populacional e a crescente crise energética estão limitando o crescimento econômico no continente. As tecnologias nucleares podem se tornar um motor para o desenvolvimento socioeconômico e uma solução abrangente para os problemas sistêmicos em todo o continente. Mas construir energia nuclear ainda enfrenta enormes dificuldades financeiras em toda a África. Sem muitas dúvidas, a Rússia poderia utilizar efetivamente seu substancial tecnologia nuclear para expandir sua pegada energética no cenário africano.
A África tem buscado, há décadas, financiamento externo para viabilizar projetos energéticos de grande porte. Portanto, torna-se oportuno que a Rússia e os países africanos avaliem com maior profundidade as particularidades geopolíticas para ampliar as parcerias no campo da energia nuclear.
Concluindo, na leitura geopolítica, os tempos atuais mostram que o aumento do envolvimento russo na África pode escalar o conflito com as nações ocidentais. Os Estados Unidos e a União Europeia consideram a África parte histórica de seu legado.

· Luis Augusto Medeiros Rutledge é Engenheiro de Petróleo e Analista de Geopolítica Energética. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pós-graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo IBMEC. Atua como pesquisador da UFRJ, Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal, Consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior – FUNCEX, Colunista do site Mente Mundo Relações Internacionais e autor de inúmeros artigos publicados sobre o setor energético.

