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Os principais desafios da nova gestão de Lula

Atualizado: 26 de set. de 2023

por Bernardo Monteiro


Apesar de encerrado o período eleitoral, que é marcado com o último ato solene na diplomação dos eleitos - Luiz Inácio “Lula” da Silva como presidente e Geraldo Alckmin como vice presidente - para um novo mandato de 2023 até 2026, muita coisa já aconteceu desde o fim do pleito dia 30 de Outubro de 2022. A primeira e mais importante delas foi a criação, o estabelecimento e o pleno funcionamento do chamado gabinete de transição.


Previsto em lei todos os seus detalhes, desde número de cargos remunerados até períodos e locais de trabalho, esse se inicia até 72 horas depois de anunciado o fechamento do resultado do pleito eleitoral e conta com um gigantesco esforço por parte de vencedores e aqueles que saem do governo, em dialogarem de forma transparente buscando gerar menos ruídos e dificuldades no trabalho do novo time eleito que assumirá em 1º de Janeiro. Ainda que, em 2022, essa última parte foi completamente abandonada pelo governo de Bolsonaro, e que pela primeira vez na história da democracia brasileira, o governo de transição teve de iniciar seus trabalhos sob cumprimento da lei - uma vez que a equipe que saiu, que perdeu o pleito, não fez qualquer esforço para agilizar. A equipe montada pelo chefe do governo de transição, o vice-presidente Geraldo Alckmin, tem feito esforços hercúleos em conjunto com os poucos órgãos do governo que colaboram, principalmente o Tribunal de Contas da União (TCU).


Outra função esperada, talvez uma das mais aguardadas de um novo governo, seja a indicação de nomes para compor a base ministerial, e quem serão as pessoas convidadas para assumirem ministérios, ponto central na organização, controle, gestão e funcionamento de um país tal qual o Brasil, no curto, médio e longo prazo.


O presidente Lula anunciou nomes para estarem à frente dos 37 ministérios, assim como de órgãos públicos como empresas estatais. Juntamente os(as) novos ministros(as) já fizeram importantes indicações em suas pastas, para cargos de relevância, como secretaria geral, que normalmente é uma espécie de número 2 no comando do ministério. Essa nova configuração, com mais ministérios, já dá o tom do que será importante e como será o novo governo, teremos um Estado forte e presente, algo inexistente nos últimos 7 anos de agenda neoliberal e pautada na lógica empresarial insana.


Com o time ministerial fechado, agora devemos focar não somente na análise dos nomes escolhidos, mas principalmente nos gigantescos desafios que terão pela frente.


Hoje, dizer que a economia de um país não é um trabalho hercúleo e estar por fora da política global, logo Fernando Haddad (PT), que assumirá a pasta da Fazenda[1], terá essa tarefa. Haddad não é somente um nome de confiança do presidente Lula, mas muito capacitado para liderar o pensamento econômico desse 3º mandato. Estabilizar a economia unindo políticas de queda e controle da inflação e dos juros, com aquecimento do poder de compra das famílias, ou seja gerando empregos. É bem verdade que os números vêm caindo, porém devemos lembrar que o governo que está saindo mudou a forma como o cálculo é feito para não incluir alguns grupos, visando ter “números” melhores do que a realidade, outro desafio de Haddad.


A saúde deve ser ponto central nesse novo governo, onde a escolha da excelente Nísia Trindade (presidente da Fiocruz e primeira mulher a ocupar esse ministério) deverá atuar diretamente, ao menos no primeiro momento, em restabelecer o fluxo de vacinas contra a COVID-19, assim como aumentar e muito as campanhas e ações para vacinação, principalmente de crianças e adolescentes. Temos hoje números assustadores de cobertura vacinal: contra a poliomielite deixamos o patamar de 99,9% para 75% da população imunizada; no total de crianças menores de sete anos, saímos de 68% em 2019 para 45% em 2022. Fora os desmontes de políticas públicas dentro dos atendimentos do SUS.


A articulação política também é central para qualquer governo, é fundamental o bom relacionamento com os outros poderes da república e seus membros, assim como a função administrativa de dialogar e andar de forma amigável e diplomática entre todos os ministérios, ajudando-os a se articularem em prol da boa execução de políticas públicas. Para tal tarefa o nome escolhido por Lula dispensa apresentações, Rui Costa (PT), é um político muito experiente, desde novo assumindo cargos de confiança e vencendo eleições na Bahia duas vezes, e assim como Lula tem sua nascente política em movimentos sindicais de Camaçari, Costa é desses nomes certos para o cargo certo. A Casa Civil, ministério que ocupará, é o centro nervoso do executivo, tão relevante que despacha de dentro do Palácio do Planalto, junto com o Presidente.


O desafio já começa com a adoção de um novo tom, algo muito mais conciliador e diplomático, sem chamar muita atenção, e buscando fugir de polêmicas baratas. Rui Costa tem o perfil e deverá conseguir criar a “liga” necessária entre alguns ministérios que necessariamente trabalharão juntos e não vão concordar o tempo todo. A exemplo dos ministérios do Trabalho, comandado por Luiz Marinho, Fazenda e MDIC que terá Geraldo Alckmin, ou como o Planejamento de Simone Tebet (MDB), Fazenda e Meio Ambiente onde assume Marina Silva (REDE) ou Ministério da Gestão de Esther Dweck, com seus pares no MDIC, no Desenvolvimento Social de Wellington Dias e de Portos e Aeroportos que será de Márcio França (PSB).


Acredito que outros desafios gigantes serão o de retomar políticas que foram simplesmente abandonadas e de ministérios que passaram 4 anos disfuncionais ou extintos, tais como: o ministério da Cultura que terá Margareth Menezes, enfim alguém da cultura para cuidar da mesma com o carinho e atenção que ela merece; ministério de Direitos Humanos, nas mãos do necessário Silvio de Almeida, um dos grandes acadêmicos do nosso tempo, e que já anunciou nomes para órgãos vilipendiados no antigo governo, como a Fundação Palmares; o ministério da Ciência e Tecnologia, sob a gestão de Luciana Santos (PCdoB), uma área tão importante para o futuro do país e que ficou à míngua e sem qualquer ação relevante, e que poderia ter ajudado e muito durante os períodos mais críticos da pandemia; os ministérios criados, da Mulher, que terá Cida Gonçalves (PT) e da Igualdade Racial, que será gestada por Anielle Franco, duas áreas que eram alvo de perseguição e ignorância total do governo passado. Será interessante ver como se acomodarão na estrutura e quais as atuações serão propostas.


Outros dois desafios que considero de suma importância serão de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Mauro Vieira, ministro de Relações Exteriores (Itamaraty). Aqui estão o presente e o futuro do Brasil quando pensamos de maneira doméstica e internacionalmente. O país precisa voltar a ter respaldo e respeito internacional e para isso a tarefa de Vieira, diplomata de carreira, experiente será crucial. Precisamos urgente voltar a ocupar as grandes rodas de negociação, fóruns, a liderança de grupos e organizações internacionais, como já fizemos. O mundo urge pela política externa pragmática, bases e raízes sólidas do Brasil, em busca da paz, comércio justo, e desenvolvimento socioeconômico de países mais pobres, precisamos voltar a negociar igualmente com os Estados Unidos, com a China, com a Rússia, com os BRICS, os países africanos e latinos.


No entanto, todo o esforço da política externa no mundo hoje tem um cartão de visitas, uma pauta primária, meio ambiente. Depois de 4 anos, “passando a boiada” (essa frase que me causa ojeriza) do governo e da gestão de um neoliberal, industrial, tecnocrata ao extremo (o que lhe causou inclusive a expulsão de seu partido de origem), teremos enfim uma esperança. Marina Silva (REDE) é sem dúvidas a pessoa e a personagem política mais capacitada, experiente e focada para retomar o desenvolvimento da proteção e do uso responsável e sustentável do meio ambiente.


Sua tarefa será muito maior do que os debates sobre Belo Monte nos primeiros mandatos de Lula, e por isso mesmo que somente ela poderia ser a escolhida, e que bom que foi e aceitou. Marina terá de lidar não somente com leis que devem ser revogadas para ontem, reconstruir e fortalecer o IBAMA, a FUNAI, buscar dialogar com os povos originários (onde ela tem expertise de sobra), criar novos marcos, remapear áreas de proteção, lidar com o garimpo ilegal (que voltou com mais força do que nos anos 90 e agora armado legalmente), buscar ampliar as fontes de energias renováveis sustentáveis….Enfim, somente alguém da grandeza profissional e política de Marina Silva para enfrentar tamanho desafio.


O meio ambiente é nosso maior ativo, e como disse Gregório Duvivier “nosso cheque em branco para o futuro” e por isso mesmo devemos deixá-lo nas mãos de quem entende, sabe e tem coragem para protegê-lo. O futuro será verde, querendo ou não, e as nações que conseguirem fazer de sua proteção ambiental responsável um trunfo, sairão na frente. Se o século XX teve o arsenal nuclear como trunfo para o Conselho de Segurança da ONU, o século XXI usará de árvores, rios, mares, lagos, fauna e flora, e isso não é uma opinião.


Os ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública, que serão comandados por José Múcio Monteiro e Flávio Dino (PSB), respectivamente, deverão enfrentar muitas resistências em revogar e criar campanhas de recolhimento de armas, portes, certificações de CACs fora de novos padrões, fechamento de clube de tiros ilegais e ainda monitorar o fluxo dos armamentos e munições. Serão os responsáveis diretos por atuar na desmobilização do extremismo radicalizado que se mantém na sociedade civil e militar, que visa não somente defender o ex-presidente Jair Bolsonaro, mas atuam de forma golpista e antidemocrática.


Em menos de 1 mês de governo já vivenciamos o maior desastre político institucional da história do Brasil. No dia 8 de Janeiro, há exatos 2 anos e 2 dias após os episódios de invasão no Capitólio (sede do poder legislativo) nos Estados Unidos, um grupo bem articulado, preparado, intencionalmente focado, promoveu uma tentativa de golpe de estado contra os 3 poderes da república. Organizados e financiados por grupos e empresários que contestam desde o dia 30 de Outubro o resultado das eleições - transparentes, justas, legais - chegaram a Brasília na madrugada do dia 8 de Janeiro em uma verdadeira carreata de centenas de ônibus vindos dos 4 cantos do país, com o objetivo já traçado, tomar as sedes dos 3 poderes da república (Palácio do Planalto, poder executivo, Congresso Nacional, poder legislativo e Supremo Tribunal Federal, poder judiciário).


Seguindo uma narrativa de “manifestações pacíficas” e contando com a clara “ajuda” da inação das forças policiais e políticas do estado do Distrito Federal, os agora golpistas antidemocráticos, invadiram e tomaram o controle dos 3 poderes, não sem antes promoverem cenas piores do que as do episódio trumpsta no capitólio. Por algumas horas o Brasil tomou um golpe de Estado de grupos que se amparam no apoio, tácito muitas vezes, das forças armadas e da inação criminosa da política e polícia do estado. Se isso já não bastasse, houve uma completa destruição do patrimônio público, onde o Supremo Tribunal Federal, partes do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto foram completamente destruídas. Desde cadeiras, espelhos, portas de vidro, documentos, salas inteiras, incêndios até obras de valor inestimável, que eram presentes de Estado, como um relógio do séc. XIV, ou vasos chineses, pinturas e esculturas. Até o exemplar original da constituição de 1988 (que só existem 4) foi roubado.


Os prejuízos financeiros estão sendo calculados, porém a política é feita de linguagem e símbolos, e o que vimos foi a linguagem do ideologismo de bolsonaro, o bolsonarismo, que se alimenta no fascismo, e comunica violência, intolerância, preconceito, desrespeito às leis e a ordem democrática. A simbologia deixada foi de total desprezo pela democracia e pela ordem republicana, assim como os tentáculos deixados em 4 anos de bolsonaro, tomaram as instituições políticas colocando-as a serviço de sua ideologia e que atuaram direta ou indiretamente no mais trágico episódio da nossa política institucional democrática.

[1] o governo desfaz o “superministério” da economia e volta a dividi-lo em Min. da Fazenda; Min. do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e Min. do Planejamento, Orçamento e Gestão




Bernardo Monteiro é graduado em Relações Internacionais pela UNESA e também pós graduado (MBA) em Relações Internacionais pela FGV-RJ; autor de Para uma Estabilidade Democrática, possui formação como analista político internacional; atua como escritor, analista político, pesquisador e divulgador científico sobre: política brasileira, história da democracia, democracias ocidentais e sociopolítica;

foi pesquisador associado do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval da Marinha do Brasil (LSC-EGN/MB); foi professor convidado para a disciplina Análise de Política Internacional para a graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional da UFRJ; foi professor de Análise de Política Externa para o I Congresso de Relações Internacionais (I CONRI); foi palestrante e professor sobre política brasileira, análise política, geopolítica, democracias e cenários prospectivos.

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