top of page

Quando a Força Vem Antes da Paz: O Preço do Poder na Escalada Entre EUA, Israel e Irã

  • Foto do escritor: CERES
    CERES
  • 23 de jun.
  • 6 min de leitura

Júlia Saraiva 

O ataque dos Estados Unidos contra três instalações nucleares, marca um ponto de inflexão na política internacional contemporânea. Trata-se não apenas de um episódio isolado, mas de um movimento que evidencia o colapso progressivo das normas multilaterais, a corrosão do Direito Internacional e a supremacia da lógica da força na condução das relações internacionais. 


À luz dos principais marcos teóricos da segurança internacional, este evento confirma a centralidade dos paradigmas realistas na análise da política externa norte-americana. O realismo ofensivo, proposto por John Mearsheimer, sustenta que as grandes potências, inseridas em um sistema internacional anárquico, buscam maximizar seu poder de forma contínua, operando sob a lógica de que segurança só é garantida pela supremacia material. Isso gera, inevitavelmente, ciclos de insegurança, escaladas e dilemas de segurança, onde o fortalecimento de um ator resulta na percepção de ameaça para os demais. 


Ao lado dessa perspectiva, o realismo neoclássico, teorizado por Gideon Rose, oferece uma lente indispensável para compreender como variáveis domésticas condicionam a forma como os Estados respondem às pressões sistêmicas. No caso específico dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, a política externa não pode ser dissociada das dinâmicas internas. O presidente norte-americano enfrenta uma crescente crise doméstica, com investigações, denúncias e uma possível movimentação de impeachment. Assim, o ataque ao Irã responde tanto a imperativos do sistema internacional quanto à necessidade de reforçar sua legitimidade interna e mobilizar apoio doméstico. 


Essa dinâmica é reforçada pela teoria dos jogos de dois níveis, desenvolvida por Robert Putnam, que evidencia como os líderes negociam simultaneamente em arenas domésticas e internacionais. Nesse sentido, Trump busca, de um lado, reafirmar a hegemonia americana no Oriente Médio e, de outro, deslocar o foco da opinião pública interna, fragilizada por seus próprios escândalos, para uma pauta externa que possa gerar coesão nacional.


Além disso, é impossível ignorar a contribuição do pensamento clássico de Carl von Clausewitz, que define a guerra como a continuação da política por outros meios. No entanto, no caso específico da política externa trumpista, esse conceito é radicalizado: a guerra não apenas dá continuidade à política, mas se torna, ela própria, um instrumento central de manutenção de poder interno. A decisão de atacar sem autorização do Congresso americano demonstra um desprezo aberto pelas limitações institucionais internas e pelas normas do Direito Internacional, em um movimento que subverte tanto as práticas democráticas quanto os princípios que regem a ordem global. 


O ataque evidencia uma absoluta priorização da força sobre qualquer tentativa diplomática. A destruição das instalações nucleares iranianas não responde a uma ameaça iminente, nem a um cenário de legítima defesa — únicos critérios que poderiam justificar, ainda que parcialmente, a ação no escopo do Direito Internacional. A operação, portanto, configura uma violação flagrante da Carta das Nações Unidas, aprofundando a crise de credibilidade das instituições multilaterais e expondo a fragilidade das estruturas normativas frente ao unilateralismo das grandes potências. 


No entanto, o que parecia ser um movimento isolado de ataque cirúrgico ganhou novos contornos após a coletiva oficial do governo dos Estados Unidos, realizada no dia 22 de junho de 2025. Nela, o porta-voz do Departamento de Defesa confirmou que os ataques não se limitam apenas às três instalações nucleares iranianas. Segundo a declaração, os EUA agora consideram “ações adicionais” caso o Irã não recue em suas atividades nucleares e em seu apoio a grupos aliados na região, especialmente Hezbollah e milícias no Iraque e no Iêmen. A coletiva também revelou que o governo norte-americano está mobilizando mais ativos militares para a região, incluindo navios de guerra e baterias de defesa antiaérea, sinalizando claramente a disposição para uma escalada mais ampla do conflito. 


Essa declaração pública escancara a disposição dos EUA de transformar a operação inicial em uma campanha militar prolongada, caso suas exigências não sejam atendidas. Além disso, o discurso carrega a mesma retórica coercitiva já presente nas falas de Trump: “O Irã sabe exatamente o que precisa fazer. Ou eles escolhem a paz, ou escolhem enfrentar as consequências”, reforçando a ideia de que qualquer saída passa, inevitavelmente, pela rendição do adversário frente ao uso da força.


Do ponto de vista estratégico, a decisão de Trump revela três objetivos centrais. O primeiro é conter o avanço nuclear do Irã, enfraquecendo sua capacidade de dissuasão e limitando sua influência regional. O segundo é fortalecer a aliança com Israel, que adota uma linha política igualmente belicista e compartilha da visão de que “primeiro vem a força, depois vem a paz”, como declarou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. O terceiro, e talvez mais decisivo, é o objetivo doméstico: desviar o foco da opinião pública americana dos escândalos internos, da instabilidade econômica e da crescente polarização social. 


Contudo, ao perseguir esses objetivos, Trump amplia perigosamente o risco de uma escalada regional de proporções catastróficas. A resposta iraniana é uma variável incontornável, podendo incluir ataques diretos a Israel, operações contra bases militares americanas no Oriente Médio e o uso de proxies, como o Hezbollah no Líbano e grupos houthis no Iêmen. O Iraque, já profundamente instável, encontra-se em alerta, temendo se tornar, mais uma vez, campo de batalha para potências rivais. 


O impacto global também se faz sentir de forma imediata. O aumento vertiginoso dos preços do petróleo, a convocação de reuniões emergenciais por parte de potências como a Coreia do Sul e a declaração do secretário-geral da ONU, António Guterres, de estar “gravemente alarmado” são sinais evidentes de que o conflito ultrapassou a lógica bilateral e se inscreveu em um tabuleiro geopolítico de alcance global. 


A imprevisibilidade da política externa trumpista, caracterizada pela preferência por canais informais como as redes sociais, em detrimento das vias diplomáticas tradicionais, agrava ainda mais a incerteza internacional. Este padrão não é meramente estilístico; ele representa uma ruptura profunda com os princípios do liberalismo institucionalista e com a própria tradição diplomática norte-americana. O uso ostensivo da mídia como instrumento de ameaça e intimidação reforça a lógica da guerra como espetáculo, onde a construção de narrativas serve tanto para mobilizar apoios internos quanto para projetar poder externo. 


Sob a ótica da segurança internacional, o episódio reafirma que o sistema permanece essencialmente anárquico, onde a força continua a ser a moeda mais valiosa. Ao ignorar o Congresso e desconsiderar os marcos normativos internacionais, Trump reafirma um padrão

histórico da política externa dos EUA, onde a defesa da ordem baseada em regras é seletiva e instrumental — válida apenas quando se alinha aos interesses estratégicos americanos. 


A frase de Trump — “Ou haverá paz, ou haverá tragédia para o Irã” — sintetiza com brutalidade a lógica coercitiva que move sua administração. A paz, aqui, não se apresenta como fruto de um processo negociado, de reconhecimento mútuo ou de mediação internacional, mas sim como o resultado da imposição da força, da intimidação e da destruição das capacidades do adversário. Essa concepção remete diretamente à lógica hobbesiana de um sistema internacional anárquico, onde a busca por segurança se traduz em maximização de poder, mesmo que isso aprofunde os dilemas de segurança e a instabilidade global. 


O que se observa, portanto, é um enfraquecimento acelerado da ordem internacional liberal, substituída por uma lógica de unilateralismo belicista e desprezo crescente às instituições multilaterais. A intervenção dos Estados Unidos, sem aval do Congresso e à margem do Direito Internacional, reafirma um padrão histórico da política externa americana, agora conduzido de forma ainda mais agressiva, imprevisível e personalista sob a liderança de Trump. A escalada do conflito não é um desvio nem um episódio isolado — é a expressão mais concreta da consolidação de uma doutrina onde o uso da força não é a exceção, mas o próprio método. E diante desse cenário, cabe perguntar: até onde vai o custo da força antes que ela própria se torne insustentável? 


“As declarações aqui expressas são de responsabilidade do autor”. 


Júlia Saraiva
Júlia Saraiva

Biografia Júlia Saraiva: 

Formada em Relações Internacionais pela UniLaSalle-RJ. Tem pesquisa acadêmica voltada para as políticas dos Estados Unidos e do Oriente Médio, com ênfase na influência de lobbies, estratégias militares e relações diplomáticas na região. Assistente Comercial na empresa Rio de Negócios, consultora de internacionalização de empresas e pesquisadora do Centro de Estudos de Relações Internacionais CERES. 

LinkedIn: 

Instagram: 

CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 

FERNANDA MAGNOTTA. “Trump, o Irã e a crise em torno do poder de guerra nos EUA”. CNN Brasil. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/fernanda-magnotta/internacional/trump-o-ira-e-a-crise-em-to rno-do-poder-de-guerra-nos-eua/. Acesso em: 22 jun. 2025. 

G1. “Governo dos EUA faz coletiva e ameaça novas ações contra Irã após ataques.” G1 Mundo, 22 jun. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/06/22/coletiva-eua-ataque-ira.ghtml. Acesso em: 22 jun. 2025. 

MEARSHEIMER, John J. The Tragedy of Great Power Politics. Updated Edition. New York: W.W. Norton & Company, 2014. 

MEARSHEIMER, John J.; WALT, Stephen M. The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2007. 

ONU. Carta das Nações Unidas, 1945. Disponível em: https://www.un.org/en/about-us/un-charter. Acesso em: 22 jun. 2025. 

ONU. Declaração do Secretário-Geral António Guterres sobre a escalada do conflito entre Estados Unidos, Israel e Irã. Nova York, 21 jun. 2025.

PUTNAM, Robert D. “Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games.” International Organization, vol. 42, no. 3, Summer 1988, pp. 427–460. 

ROSE, Gideon. Neoclassical Realism and Theories of Foreign Policy. World Politics, vol. 51, no. 1, Oct. 1998, pp. 144–172.

Comentários


NOSSOS HORÁRIOS

Segunda a Sábado, das 09:00 às 19h.

VOLTE SEMPRE!

NOSSOS SERVIÇOS

Siga nossas redes sociais!

  • Facebook
  • Twitter
  • YouTube
  • Instagram

O CERES é uma plataforma para a democratização das Relações Internacionais onde você é sempre bem-vindo!

- Artigos

- Estudos de Mercado

- Pesquisas

- Consultoria em Relações Internacionais

- Benchmarking

- Palestras e cursos

- Publicações

© 2021 Centro de Estudos das Relações Internacionais | CERESRI - Imagens By Canvas.com - Free Version

bottom of page