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As Relações Internacionais moldadas pelo petróleo em face ao novo cenário da geopolítica energética

Atualizado: 26 de set. de 2023


Luis Augusto Medeiros Rutledge

Analista de Geopolítica Energética


O petróleo, fonte de disputa política desde os anos 1900 na antiga Pérsia e uma das principais ferramentas das relações internacionais há mais de sessenta anos, voltou a ser tema central da geopolítica mundial após os recentes eventos no leste europeu e as instabilidades do mercado de gás. Desde então, a urgência por alternativas energéticas menos vulneráveis à geopolítica fez crescer a corrida pela transição energética e a inserção maior de fontes renováveis na matriz global.


A geopolítica do século XX e das duas primeiras décadas do século XXI foi desenvolvida tendo o petróleo como uma de suas principais ferramentas de influência nas relações internacionais entre os Estados e alicerce do desenvolvimento e crescimento econômico mundial. Partindo deste princípio, as grandes potências mundiais sempre fizeram uso da geopolítica do petróleo ao conduzir o equilíbrio entre oferta e demanda, sendo a segurança energética o pêndulo de um sistema que envolve produtores e consumidores.


Devemos analisar se à medida que o consumo de combustíveis fósseis for gradualmente reduzido observaremos a queda da influência geopolítica das lideranças mundiais e das majors do petróleo que detêm o controle das grandes produções de óleo e gás no mundo. De imediato, a nova geopolítica do petróleo no século XXI ou geopolítica da transição energética, como alguns analistas já a rotulam, está caracterizada pelas inovações tecnológicas e a sustentabilidade ambiental e climática. Alinhado a este raciocínio, o reconhecimento de uma nova dinâmica do mercado energético acarreta mudanças nas políticas dos Estados e transição do portfólio de negócios das grandes petroleiras mundiais, sejam elas estatais ou não.

O controle do suprimento energético sempre foi um fator determinante nas relações internacionais entre as principais potencias mundiais. Desde a queda de Mohamed Mossadegh, em 1953 no Irã, numa clara disputa entre britânicos e norte-americanos contra o governo iraniano pelo controle da Companhia Iraniana de Petróleo e seus imensos reservatórios, a geopolítica do petróleo sempre esteve presente nas diretrizes mundiais.


A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), formada em Bagdá em 1960, surgiu como uma resposta dos Estados produtores de petróleo contra decisões arbitrárias das potências ocidentais e suas respectivas companhias. Até a década de 1960 e após a formação da OPEP, as relações internacionais e diplomáticas do Oriente Médio e as potências ocidentais foram moldadas pelo poder do petróleo. Se antes existia uma aparente submissão árabe, a partir dos anos 1970 o jogo político foi totalmente alterado.


Uma análise mais ampla do desenvolvimento energético global nos apresenta, desde o início do século passado até os dias atuais, não somente o petróleo como a ferramenta determinante para o crescimento socioeconômico mundial. O petróleo foi uma ferramenta crucial nas grandes guerras do século XX e diversos conflitos foram alimentados pela disputa de seu controle. E, hoje, as relações diplomáticas de alguns países do Oriente Médio como Arábia Saudita, Catar e Irã são forjadas graças ao petróleo.


No contexto de um novo cenário de maior alinhamento da indústria de óleo e gás com as políticas climáticas, seria natural pensar que as mudanças resultantes de uma nova matriz energética global podem causar um rearranjo do eixo geopolítico com alterações de poder dos Estados no sistema internacional. A grande verdade é que os impactos geopolíticos serão sentidos de forma diferente ao longo do tempo por países produtores e consumidores de petróleo.


A transição energética representa um desafio para os países produtores de petróleo e, em especial, para países que possuem uma dependência econômica voltada para as exportações de óleo e gás. Países africanos como Nigéria e Moçambique e os tradicionais exportadores do Norte da África como Líbia e Argélia são extremamente dependentes de suas reservas petrolíferas e veem com apreensão uma transição energética europeia com crescente participação de fontes renováveis. No caso específico da Líbia, o setor de petróleo representa quase 80% do Produto Interno Bruto (PIB) na economia do país. A mesma importância possui as exportações de petróleo para outros produtores do continente africano.


Outra perspectiva observamos no caso norte-americano. As mudanças nas tecnologias relacionadas às outras fontes energéticas afetam em menor grau os riscos geopolíticos dos Estados Unidos. Países do Oriente Médio possuem economias pouco diversificadas e são tradicionalmente dependentes das receitas obtidas com a venda expressiva do barril do petróleo. Uma transição energética global teria efeitos geopolíticos imediatos. E, como consequência, o Golfo Pérsico perderia o potencial estratégico e geopolítico aos olhos dos Estados Unidos, favorecendo em muito a geopolítica norte-americana.


A recente formação do Conselho de Energia entre Estados Unidos e União Europeia que envolve questões energéticas estratégicas visando o desenvolvimento conjunto de novas tecnologias para emissões líquidas zero até 2050 demonstra também o alinhamento para a rápida eliminação completa da dependência da União Europeia da produção russa. Em termos geopolíticos, a influência norte-americana cresceu com a transição energética e o afastamento das relações comerciais entre Ursula von der Leyen e Putin.


A geopolítica do petróleo caminha para se transformar na geopolítica da energia, onde seguiremos com países produtores e consumidores. Porém, a impressão atual é que a segurança energética será maior para os atuais países extremamente dependentes das importações de óleo e gás. E, instabilidades naturais observaremos nos países exportadores de petróleo.


A energia continuará desempenhando um papel central como um recurso estratégico dos Estados. Uma perspectiva geopolítica se formará ao longo do tempo, assim como, novas relações internacionais serão redesenhadas a partir de acordos comerciais e estratégicos que se formarão.



*Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e pesquisador da UFRJ. Analista de Geopolítica Energética, Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal e Membro do CERES-Centro de Estudos das Relações Internacionais. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ) e Especialização em Relações Internacionais pelo Ibmec. Atua como colunista e comentarista de geopolítica energética do site MenteMundo Relações Internacionais. Colaborador de colunas de petróleo,gás e energia em diversos sites da área. Contato:rutledge@eq.ufrj.br


Referencias


Palle, A. Bringing geopolitics to energy transition research. Institute for Strategic Research (IRSEM, Paris) – UMR Prodig (associate), France. Energy Research & Social Science 2021, 81.


Scholten, D.; Bosman, R. The geopolitics of renewables; exploring the political implications of renewable energy systems. Technol. Forecast. Soc. Change 2016, 103, 273–283.


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