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Direitos das minorias e a resistência cultural

Foto do escritor: CERESCERES

Os direitos das minorias têm sido uma questão central nos debates sobre justiça social, diversidade cultural e igualdade ao longo da história. Desde os movimentos de libertação de grupos étnicos marginalizados, até as lutas contemporâneas de algumas comunidades de minorias de género, como o caso de mulheres em algumas sociedades tradicionais/conservadoras (onde os direitos de gênero são significativamente desiguais), comunidades de orientação sexual, como a LGBTQIA+ (grupos que enfrentam discriminação e desafios legais em diversos países e situações), assim como minorias étnicas e raciais e outras minorias culturais.


Este artigo busca explorar a relação entre os direitos das minorias e a resistência cultural, examinando como essas duas dimensões interagem em contextos históricos e contemporâneos. Além disso, analisa os desafios enfrentados por esses grupos em sociedades globalizadas, onde o discurso da uniformidade muitas vezes se sobrepõe à valorização da diversidade. Por fim, a discussão aborda casos de resistência bem-sucedida e reflecte sobre o papel das políticas públicas e das organizações internacionais na promoção de uma convivência mais inclusiva e respeitosa.


 Desde 1920 com a “Sociedade das Nações” até 2007 com o “Fórum sobre Assuntos das Minorias pelo Conselho de Direitos Humanos (Resolução 6/15)”, os desafios diplomáticos para garantirem a dignidade e os direitos fundamentais desses grupos permanecem urgentes (até aos dias de hoje). Em muitos contextos, essas minorias enfrentam não apenas discriminação estrutural, mas também tentativas sistemáticas de apagar suas identidades culturais por meio de políticas de assimilação ou exclusão.


Nesse cenário, a resistência cultural emerge como uma estratégia crucial para preservar a identidade, reivindicar direitos e desafiar hegemonias culturais. Trata-se de um processo pelo qual grupos minoritários mantêm vivas suas tradições, línguas e valores, mesmo diante de pressões externas. Seja através da arte, da literatura, de práticas espirituais ou do ativismo social, a resistência cultural não apenas protege o patrimônio simbólico das minorias, mas também denuncia injustiças e promove mudanças sociais.


Definição de minorias no contexto sociocultural, étnico, religioso e político


Relativamente ao saber taxativamente o que é uma “minoria”, permanece pouco turvo. Não há uma definição universal para "minoria" devido à diversidade de contextos que o termo abrange. Algumas minorias vivem em comunidades específicas, enquanto outras estão dispersas por um ou mais países. As identidades colectivas também variam, indo de um forte senso cultural baseado na história a um conhecimento limitado de seu legado comum. Além disso, o nível de autonomia e o desejo de preservar sua cultura diferem entre os grupos. Por isso, cada Estado interpreta e aplica o termo "minoria" de forma distinta. 


Francesco Capotorti, ex-Relator Especial da ONU, propôs uma definição amplamente aceita, mas não universalmente reconhecida de "minoria". Trata-se de um grupo numericamente inferior e não dominante dentro de um Estado, cujos membros, sendo nacionais, possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas distintas e mostram solidariedade na preservação de sua cultura, tradições, religião ou língua.


A maioria dos contextos de minorias envolve grupos não dominantes que partilham características nacionais, étnicas, religiosas ou linguísticas distintas da maioria e que desejam preservar essas características enquanto são reconhecidos como parte do grupo.


Segundo Louis Wirth (1995), grupos minoritários são aqueles que possuem características físicas, ideológicas ou culturais distintas dos outros. Alguns desses grupos podem ter maior força, seja intelectual, física ou numérica, o que resulta em desigualdade social e os torna alvo de discriminação colectiva.


Como sublinha Jurgen Habermas, é próprio do carácter social das pessoas o facto destas crescerem no contexto proporcionado por um específico quadro de referentes socioculturais e de aí estabelecerem a sua identidade através de relações de reconhecimento recíproco, pelo que, de um ponto de vista jurídico, a pessoa singular só pode ser protegida conjuntamente com o contexto dos processos da sua formação.  Ele sugere que as pessoas desenvolvem sua identidade em um contexto sociocultural específico por meio de relações de reconhecimento mútuo. Assim, do ponto de vista jurídico, a proteção individual deve incluir a preservação desse contexto formativo.


Um grupo pode ser minoritário em um país, mas maioritário em outro, evidenciando que esses conceitos são moldados pelas circunstâncias culturais, geográficas e políticas. Por exemplo, os judeus são uma minoria em países árabes, enquanto os árabes são minoria em Israel. O mesmo ocorre em relação às etnias: em países africanos, a população negra constitui a maioria, mas em países europeus, negros são uma minoria.


Essa perspectiva destaca que as relações de poder e representatividade entre maiorias e minorias variam conforme o contexto e a localização. Ela também evidencia a necessidade de políticas que reconheçam essa diversidade, respeitando os direitos e as particularidades de cada grupo, independentemente de sua posição como maioria ou minoria em um dado local. Tal reconhecimento é essencial para promover igualdade, combater preconceitos e garantir que nenhum grupo seja marginalizado, independentemente de sua condição demográfica.


Ironicamente, numa visão sociológica, o que chamamos aqui de minorias são, quantitativamente, a maioria da população. O termo minoria refere-se, na sociologia, a grupos sociais historicamente excluídos do processo de garantia dos direitos básicos por questões étnicas, de origem, por questões financeiras e por questões de género e sexualidade. Também podem entrar no conceito pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social, como idosos e portadores de necessidades especiais.


Grupos minoritários podem ser definidos como aqueles que enfrentam exclusão social e política dentro da sociedade em que vivem, frequentemente em desvantagem em relação à maioria. Determinar quem pertence a esses grupos é desafiador, mas eles são caracterizados por sua posição marginalizada e pelo tratamento discriminatório que frequentemente recebem da maioria, como destacado por Luís de Gonzaga Mendes Chaves  (CHAVES, 1970. p. 149). 


O conceito de "minoria" não está necessariamente relacionado ao número de indivíduos, mas à posição de poder e acesso aos recursos. Em países subdesenvolvidos, cidadãos de baixa renda podem ser numericamente maiores, mas permanecem como uma "minoria" em termos de poder político e econômico. O regime do Apartheid na África do Sul exemplifica isso, onde uma minoria branca detinha o controlo político e económico, impondo segregação racial e dominando a maioria negra.


Resistência Cultural: Formas, Significados e Implicações


A resistência cultural refere-se à capacidade de grupos sociais ou minorias em contestar, desafiar ou preservar suas identidades culturais frente à dominação, opressão ou imposição de culturas dominantes. Ela se manifesta por meio da preservação de tradições, linguagens, práticas, valores e formas de expressão que são vistas como subjugadas ou ameaçadas por outras culturas mais influentes, muitas vezes representadas pelo Estado ou por forças globais.


A resistência cultural é essencial para a manutenção da diversidade cultural, que é ameaçada pela globalização, pela padronização de costumes e pela homogeneização promovida pelas potências culturais e econômicas. Em termos de soberania e do ponto de vista autónomo, para muitos grupos, resistir culturalmente é uma forma de afirmar sua autonomia frente à imposição de valores estrangeiros, sendo uma forma de garantir o controlo sobre a própria identidade e história.


Em um contexto político e econômico, a resistência cultural é um meio de desafiar as estruturas de poder que tentam silenciar, suprimir ou marginalizar certas culturas ou etnias assim sendo, a resistência cultural fortalece o sentimento de pertencimento a um grupo, promovendo coesão social e solidariedade entre os membros de uma comunidade.


Quando a resistência cultural entra em conflito com as normas culturais dominantes, pode gerar tensões sociais, discriminatórias ou políticas, especialmente em contextos de minorias que lutam pelo reconhecimento e pelos seus direitos. É importante ter-se consciência de que a resistência cultural não se limita apenas à preservação de tradições, mas também à criação de novas formas de expressão, misturando práticas tradicionais com influências externas de maneira inovadora.


Globalização e Resistência Cultural: Conflito ou Complementaridade?


A resistência cultural, enquanto estratégia de preservação, se configura como uma resposta natural e necessária a um mundo cada vez mais globalizado e homogéneo. No entanto, é crucial que se reflita sobre as implicações e os desafios desse movimento, tanto para as culturas minoritárias quanto para a sociedade global como um todo. Em muitas situações, a resistência cultural surge como uma forma de garantir a identidade, os direitos e a autonomia de grupos que se sentem ameaçados pela absorção de suas culturas pela hegemonia de uma cultura dominante. Contudo, a análise crítica do conceito e da prática da resistência cultural revela tanto suas potencialidades quanto as suas limitações.


Uma das principais questões em torno da resistência cultural é o seu potencial para se tornar um movimento fechado, que busca preservar a cultura à custa da integração e convivência com outras culturas. A ideia de preservar uma identidade cultural única e autêntica pode gerar um fechamento em torno de um determinado conjunto de valores, levando a uma postura exclusivista que pode dificultar o diálogo e a convivência pacífica entre diferentes grupos culturais. Assim, a resistência cultural deve ser cuidadosamente pensada para não cair na armadilha da criação de bolhas culturais, que, embora preservem tradições, podem reforçar divisões e tensões sociais.


Por outro lado, a resistência cultural também pode servir para fortalecer a identidade e a autoestima de grupos minoritários, proporcionando uma base sólida para a reivindicação de seus direitos e uma maior visibilidade no cenário político e social. A resistência cultural, neste sentido, se torna não só uma forma de preservação, mas também um processo de empoderamento e afirmação, que desafia a dominação cultural de maior poder, promovendo o reconhecimento da diversidade.


Outro ponto crucial é que a resistência cultural precisa ser acompanhada de um processo de empowerment, onde as minorias não apenas lutem para preservar sua cultura, mas também para conquistar os direitos que lhes são devidos, garantindo-lhes participação plena nos processos políticos, económicos e sociais. Este empoderamento deve se estender ao reconhecimento das minorias como cidadãos plenos, com voz e voto nas decisões que afectam directamente suas vidas.


Por fim, ao reflectirmos sobre o direito das minorias e a resistência cultural, é importante reconhecer que a luta por igualdade não é apenas uma questão de preservar o que é tradicional, mas também de garantir que essas culturas tenham a oportunidade de evoluir, se adaptar e coexistir em um mundo cada vez mais globalizado. A verdadeira resistência cultural é aquela que busca um espaço de respeito, reconhecimento e dignidade, ao mesmo tempo que promove um diálogo intercultural que enriquece e fortalece a sociedade como um todo.


Assim, a resistência cultural, ao ser reconhecida e respeitada, pode ser uma força transformadora, que contribui para um futuro em que as minorias não sejam mais vistas como "outros", mas como uma parte integrante da humanidade, com seus direitos e culturas preservados, valorizados e partilhados.



Gomes Dias
Gomes Dias

Gomes Dias, nasceu e vive em Angola, na provínciade Luanda. É Secretário-Adjunto da Assembleia, da Juventude Unida dos País de Língua Portuguesa (JUPLP). É também membro associado júnior da Associação Angolana dos Profissionais de Comunicação Institucional (AAPCI), desde 05 de Junho de 2023 e membro do “Club de Leitura do Artigo Semanal” (CLAS). Finalista em Comunicação pela Universidade Agostinho Neto (UAN). Pesquisador autónomo. 

Redes sociais:


Bibliografia 

CHAVES, L. G. M (1970). Minorias e seu estudo no Brasil. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 1, n. 1, p. 149-168, 1970.

HABERMAS, J. (1999). La Inclusión Del Outro. Estudios de Teoría Política, Barcelona, Paidos.

WIRTH, L. (1995). O Problema dos Grupos Minoritários. In: Linton, Ralph (ed.), The Science of Man in the World Crisis, Nova York; p. 347-372

FRANCESCO C. (1979). Study on the Rights of Persons Belonging to Ethnic, Religious and Linguistic Minorities; United Nations Offi ce of the High Commissioner for Human Rights (UNOHCHR). 1998. Fact Sheet No.18 (Rev.1, Minority Rights.)

JOHNSON, A. G. (1997). Dicionário de Sociologia: Guia Prática da Linguagem Sociológica. Rio de Janeiro, Brasil: Jorge Zahar Ed.

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