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Morar fora: um sonho ou uma ilusão?

  • Foto do escritor: CERES
    CERES
  • há 6 horas
  • 7 min de leitura
Vivemos uma era em que a vida é medida em likes, e a felicidade é vendida em vídeos de 30 segundos. Entre as ilusões mais bem embaladas das redes sociais está a da “vida perfeita” no exterior — ruas limpas, segurança, poder de compra e oportunidades infinitas. Mas por trás desse filtro digital, a realidade da emigração é bem mais dura, complexa e solitária do que muitos imaginam...

Desde o advento das redes sociais, a narrativa da “vida no exterior” foi amplamente filtrada — cafés charmosos em Lisboa, transportes de alta qualidade em Berlim, oportunidades em Toronto. E quando alguém menciona algum problema, muitos brasileiros alimentam o sonho de que “comigo será diferente”, “vou recomeçar”, “lá terei mais segurança”.


Mas esse sonho legitima-se sobretudo por imagens e discursos superficiais e raramente pelo olhar crítico. Importa que se diga: visitar um país estrangeiro não é o mesmo que viver nele.


Há ainda o fator de que as plataformas digitais transformaram a emigração numa mercadoria: agências de vistos, influenciadores que mostram “sucesso atrás de sucesso”, intercâmbios… Tudo isso contribui para uma expectativa que pouco dialoga com o dado, com a complexidade.


E aqui entra o primeiro dado: na Eurostat verificou-se que, em 2022, a União Europeia recebeu 5,1 milhões de imigrantes de países não-UE. Apesar deste número elevado, o mito da “vida fácil lá fora” raramente menciona a necessidade de burocracia, validação profissional, risco de desemprego, ou a solidão da adaptação.


Por trás das paisagens europeias e do discurso da “vida melhor”, há solidão, desigualdade e crescente hostilidade institucional.

 

O mito dourado da vida no exterior


A ideia de que “morar fora” é sinônimo de progresso pessoal permanece profundamente enraizada na mentalidade brasileira, mais da metade dos jovens desejam morar no exterior, conforme pesquisas realizadas em 2023. O número de brasileiros vivendo fora do país, passou de 2 milhões em 2012 para cerca de 4,5 milhões em 2024, segundo o Ministério das Relações Exteriores. Essa duplicação reflete uma crença persistente: a de que o estrangeiro encontrará fora o que o país de origem lhe negou — estabilidade, segurança e oportunidades.


Contudo, a imigração já não é vista pelos países desenvolvidos como solução, mas como problema social e político. O sociólogo britânico Stephen Castles alerta que:


Os governos do Norte Global e demais países desenvolvidos, passaram a tratar a imigração não como um motor econômico, mas como uma ameaça à coesão nacional” (International Migration Review, 2021).

De fato, o endurecimento das políticas migratórias é global. A União Europeia aprovou em 2024 um novo Pacto de Migração e Asilo, que reforça o controle de fronteiras e amplia as deportações. No Canadá, o governo de Justin Trudeau anunciou limites ao número de estudantes e trabalhadores temporários.E mesmo países historicamente acolhedores, como Portugal e Espanha, têm revisto suas legislações para restringir naturalizações e reagrupamentos familiares.


Visitar não é morar


A idealização do exterior se alimenta, muitas vezes, da experiência turística. É fácil encantar-se com ruas limpas, transporte eficiente e vitrines reluzentes — mas é outra coisa viver com os custos, a burocracia e a exclusão cotidiana.


O famoso provérbio espanhol “no es lo mismo visitar que vivir” nunca foi tão verdadeiro.


E nessa ilusão, muitas pessoas deixam seus trabalhos, amigos, imóveis, carro e até mesmo fecham empresas... abandonando uma base duramente construída no seu país de origem, para se aventurar em um terreno incerto e que cada dia é mais difícil...


Estudiosos dos fluxos migratórios, advertem...


“Caso você tenha estabilidade no Brasil, na grande maioria dos casos, não compensa migrar, mude de bairro ou cidade antes, redirecione sua carreira e sua vida, mas que migrar, recomeçar do nada, seja sua última alternativa, já que é melhor ir de turismo, do que ir como trabalhador não reconhecido”

O turista é bem-vindo; o imigrante é tolerado. E essa tolerância vem se esgotando.


Segundo a Agência da ONU para as Migrações (IOM), mais de 40% dos migrantes internacionais vivem hoje em situação irregular ou sem acesso pleno a direitos sociais. Isso significa milhões de pessoas à margem — sem acesso à saúde, educação ou moradia digna.


E essa moradia, é o calcanhar de Aquiles no contexto europeu, onde os custos de habitação são hoje o maior obstáculo à vida digna nos países da Europa


Na Espanha, o Banco de Espanha revelou em 2024 que 74% da renda média dos trabalhadores é consumida apenas pelo pagamento da moradia (aluguel). Em Portugal, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o custo médio de aluguel supera 110% do salário médio líquido nacional — ou seja, morar é, literalmente, impagável.


Na Alemanha, o aluguel médio em Berlim aumentou cerca de 38% entre 2020 e 2024, segundo o portal Statista e em Londres, os preços atingiram um recorde histórico: 2.200 libras mensais por um apartamento de um quarto, de acordo com o Office for National Statistics (ONS).


Para os imigrantes, a situação é ainda pior. Sem histórico de crédito, garantias locais ou contratos de trabalho estáveis, muitos acabam vivendo em quartos compartilhados ou alojamentos precários. Um estudo da OECD (2023) apontou que imigrantes gastam, em média, 41% mais com habitação proporcionalmente à renda do que cidadãos locais.


Trabalhar mais, ganhar menos


É comum ouvir que “lá fora se ganha melhor”. E, em termos absolutos, é verdade: o salário mínimo europeu é superior ao brasileiro.


Mas o problema não é o valor bruto — é o custo da sobrevivência e a desigualdade salarial entre nacionais e estrangeiros.


Segundo o relatório “Migrant Integration Statistics” (Eurostat, 2023), trabalhadores estrangeiros na União Europeia recebem entre 10% e 25% menos do que os locais em funções equivalentes.


A proporção de imigrantes em cargos médios e altos é mínima: apenas 2,9% dos postos de gestão são ocupados por latino-americanos. E na prática, a ascensão profissional esbarra em barreiras culturais, linguísticas e institucionais. Assim como na infra valorização dos diplomas, certificados e formação do Brasil. Nem mesmo aqueles brasileiros formados, escapam dessa visão pejorativa.


A socióloga Saskia Sassen observa que:


A economia globalizada precisa dos imigrantes, mas apenas como força de trabalho barata e descartável. (Globalization and Its Discontents, 2020).

O sonho da mobilidade social vira, assim, um ciclo de subemprego e invisibilidade.


O poder de compra e a ilusão do consumo


Uma das grandes armadilhas do “sonho de emigrar” é o poder de compra. De fato, roupas, eletrônicos e produtos importados custam menos na Europa do que no Brasil.Mas essa vantagem é puramente simbólica. Comprar o que antes era luxo não compensa o custo da vida cotidiana — nem o isolamento cultural.


O relatório “OECD Better Life Index” (2024) mostra que, apesar do PIB per capita mais alto, o índice de bem-estar subjetivo de imigrantes é 27% inferior ao dos nacionais.Em outras palavras: vive-se melhor, mas sente-se pior.


O avanço da xenofobia e da “remigração”


Enquanto os custos sobem, a tolerância desce. A ascensão da extrema direita na Europa e nos Estados Unidos trouxe de volta um discurso abertamente xenófobo.


Na França, o partido de Marine Le Pen defende a “prioridade nacional” — uma política que limita o acesso de estrangeiros a empregos e benefícios. Na Alemanha, o partido AfD propõe um programa de “remigração”, que prevê a deportação de imigrantes, inclusive legalizados, sob o pretexto de “repatriação voluntária”.


Casos concretos mostram a gravidade da situação:


  • Em 2023, o jornal El País noticiou dezenas de brasileiros presos em Portugal enquanto aguardavam processos de regularização.


  • Em 2024, o governo espanhol encerrou o programa de concessão de cidadania a netos de espanhóis — a chamada Lei de Memória Democrática, que havia beneficiado milhares de latino-americanos.


Tudo isso sinaliza uma mudança de paradigma: a Europa, que se construiu com imigrantes, agora se fecha a eles.


A distância emocional e o retorno silencioso


A emigração, mais do que econômica, é uma experiência psicológica.


A distância, a perda de vínculos e o sentimento de “não pertencer” corroem silenciosamente o cotidiano do imigrante e apesar dos lindos discursos de integração, coesão ou até mesmo hibridação cultural ecoar em determinados setores, o fato é que grande parte da população nativa é etnocentrista pela própria formação histórica de sua identidade.


Pesquisas da Harvard Medical School (2022) mostram que imigrantes têm 32% mais probabilidade de desenvolver sintomas de depressão e ansiedade do que os residentes nativos.


E há outro fenômeno crescente: o “retorno silencioso”, estudos da Fundação Calouste Gulbenkian e do Instituto Camões indicam que quase 30% dos brasileiros que emigraram para Portugal entre 2015 e 2020 já retornaram ao Brasil — desiludidos com o custo de vida e o mercado de trabalho. Ou frustrados com sua própria decisão, alimentada por uma eterna necessidade de autoafirmação e projeção social, assim como esse tão conhecido esporte nacional que é a comparação entre pessoas... Mas se comparar com um influencer, famoso ou investidor que emigrou, quando você é um respeitável operário de fábrica, é viver de ilusão...


A necessidade de uma reflexão madura


Emigrar não é um erro, tampouco uma ilusão pura. Pode ser, em muitos casos, uma decisão legítima, motivada por busca de segurança, oportunidades ou simplesmente pela curiosidade de viver o mundo.


Mas deve ser uma escolha consciente — e não o resultado de um imaginário distorcido pelas redes sociais, ou uma ambição desmedida, sem base verídica, para fazer vídeos enchendo o carrinho...


Como escreveu o sociólogo Zygmunt Bauman:


"A modernidade líquida é feita de promessas de felicidade instantânea, mas nenhuma delas resiste ao teste do tempo

Morar fora pode ser um sonho, sim — mas só quando se conhece o preço que ele cobra.


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Wesley Sá Teles Guerra

Fundador do CERES e Paradiplomata. Poliglota, residente em Madrid, onde atua como Gestor do Fundo de Cooperação Triangular Europa, América Latina e África. Formado em Negociações Internacionais pelo Centro de Promoção Econômica de El Prat (Barcelona), Bacharel Administração pela Universidade Católica de Brasilia, Pós graduado em Relações Internacionais e Ciências Políticas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Mestrado em Políticas Sociais e Intervenção Sócio-Comunitária com Especialização em Migrações pela Universidad de La Coruña (Espanha), MBA Marketing Internacional MIB (Massachussetts-EUA), Global MBA ILADEC, Mestrado em Gestão e Planejamento de Smarticities pela Universitat Carlemany (Andorra), Doutorando em Sociologia na UNED (Espanha). Especialista em Paradiplomacia, Desenvolvimento Econômico e Cidades Inteligentes, Cooperação Internacional e Migrações. Autor dos livros: "Cadernos de Paradiplomacia", "Paradiplomacy Reviews" e "Manual de Sobrevivência das Relações Internacionais". Comentarista convidado pela CBN Recife e finalista do prêmio ABANCA para investigação acadêmica.

Atuou como Paradiplomata do Governo da Catalunha durante o "procés" processo de autodeterminação da região da Catalunha (Espanha), também foi membro do IGADI, Instituto Galego de Análise e Documentação Internacional e coordenador do OGALUS, Observatório Galego da Lusofonia, sendo o responsável pelo estudo Relações entre Galicia e Brasil. Assim mesmo foi o primeiro brasileiro a se candidatar em uma eleição na cidade de Ourense (Espanha).

Foi editor executivo da revista ELA do IAPSS e é membro de diversas instituições tais como CEDEPEM, ECP, Smartcities Council e REPIT. 


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