O Avanço do Populismo em Portugal: Chega, o Partido que Ampliou Seu Espaço de 1,3% para 23%
- CERES
- há 2 dias
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A cena política portuguesa tem sido marcada, nos últimos anos, por uma transformação profunda nas suas dinâmicas tradicionais. A emergência do partido Chega, liderado por André Ventura, representa talvez o exemplo mais visível dessa mudança.
O Chega marcou uma inflexão relevante no sistema partidário português. Fundado em 2019 (apenas seis anos), o partido rapidamente conquistou espaço no discurso público, primeiro como fenómeno marginal, depois como presença consolidada no Parlamento. O crescimento do Chega tem provocado tanto entusiasmo quanto alarme, polarizando opiniões e reacções.
Desde o 25 de Abril de 1974, o sistema político português tem sido caracterizado por uma relativa estabilidade centrada em partidos moderados. As principais forças políticas PS, PSD, CDS, PCP e, mais recentemente, o BE, que operaram dentro de um quadro democrático robusto, mesmo quando divergiam em matérias substantivas. O aparecimento do Chega rompe com esse consenso básico ao introduzir uma retórica populista, punitiva e identitária que desafia abertamente princípios como a inclusão, a protecção de minorias e o respeito institucional.
Fundado como uma cisão do Partido Social Democrata (PSD), refletindo o desencanto de parte do eleitorado com os partidos convencionais. Nas legislativas desse ano, o partido obteve apenas 1,29% dos votos, elegendo um único deputado. No entanto, a sua retórica anti-sistema, marcada por um discurso conservador nos costumes, liberalismo económico e forte apelo ao nacionalismo, encontrou eco num eleitorado cada vez mais cético em relação às promessas da democracia representativa pós-25 de Abril.
O discurso do Chega constrói-se sobre a ideia de um "senso comum popular" oprimido por elites corruptas e por uma cultura política conivente com o "politicamente correcto". O partido apresenta-se como a voz dos silenciados, daqueles que, alegadamente, sofreram com as consequências de uma democracia excessivamente permissiva. Ao explorar temas como a insegurança, a imigração, a corrupção e a defesa de valores tradicionais, o Chega atraiu eleitorado desencantado com os partidos tradicionais, reforçando a ideia de que representa uma alternativa radical e regeneradora.
A criação de bodes expiatórios como imigrantes, ciganos, beneficiários de apoios sociais, é central na narrativa do partido. Esta retórica procura simplificar problemas complexos e transferir responsabilidades do Estado para determinados grupos sociais, reforçando sentimentos de exclusão e ressentimento.
O programa político do Chega, apresentado sob o lema “Salvar Portugal”, aposta em bandeiras como o endurecimento das políticas migratórias, o combate à corrupção, a reforma do sistema judicial e a redução da despesa pública. Entre as propostas mais mediáticas está a chamada “lei Manu”, inspirada na morte trágica de um jovem português, alegadamente às mãos de um imigrante brasileiro. Esta medida propõe que estrangeiros que cometam crimes em Portugal cumpram pena no país e sejam imediatamente deportados. Ventura foi claro na sua defesa: “Se você cometer um crime aqui, vai para a prisão por vários anos ou até décadas. Assim que cumprir a pena, não ficará nem mais um segundo neste país.” (Gazeta do Povo, 2025).
O crescimento do Chega tem sido impulsionado, em grande medida, pela insatisfação de uma larga franja do eleitorado com o funcionamento do sistema político. Esta insatisfação manifesta-se tanto na percepção de impunidade das elites como na sensação de abandono das classes trabalhadoras. A retórica populista de Ventura capitaliza esses sentimentos ao construir uma narrativa de resgate nacional contra as “elites” e os “inimigos internos”.
A ascensão do Chega pode ser interpretada como uma resposta directa ao descontentamento generalizado da população portuguesa com o sistema político tradicional. Como refere a Gazeta do Povo (2025), André Ventura, antigo militante do PSD, fundou o Chega motivado pela frustração com os partidos convencionais. Nas legislativas de 2019, o partido elegeu apenas um deputado, com 1,29% dos votos. Contudo, em 2022, o número subiu para 12 deputados e, em 2024, registou-se um salto expressivo, o Chega quadruplicou a sua representação parlamentar, elegendo 50 deputados. Já nas eleições deste ano, o Chega acabou por obter cerca de 23% dos votos e igualando o Partido Socialista em número de deputados.
Como noticiado pela BBC News Brasil (2025), tal feito torna-se ainda mais relevante quando se considera que o Chega tem apenas seis anos de existência, tendo passado de 1,3% dos votos em 2019 para cerca de 23% em 2025, um crescimento exponencial que traduz uma profunda reconfiguração do eleitorado.
Ainda segundo a reportagem, o cientista político António Barreto, em artigo publicado no jornal Público, sublinhou que “a direita democrática, na identidade da AD, vence as eleições, mas perde o combate político. É uma das suas mais curtas vitórias. Não consegue maioria para governar.” Esta leitura reforça a ideia de que, apesar de a Aliança Democrática (AD) ter sido a coligação mais votada, o verdadeiro vencedor simbólico do escrutínio foi o Chega, pela sua capacidade de ruptura com o sistema partidário tradicional. O próprio Ventura celebrou os resultados afirmando: “Podemos declarar oficialmente, e com segurança, que acabou o bipartidarismo. Fizemos história”, numa alusão directa à hegemonia histórica do PS e do PSD.
A ascensão do Chega reflecte, pois, não apenas uma reconfiguração eleitoral, mas uma mutação profunda no tecido ideológico português. A perda de confiança no centro político, a polarização discursiva, a migração de discursos da internet para os parlamentos e a crescente normalização de ideias outrora marginais estão a moldar um novo paradigma. Este não é apenas o advento de um partido, é o espelho de um país em mutação.
A entrada do Chega no Parlamento e o seu crescimento subsequente suscitaram diferentes reações. No campo da direita tradicional, particularmente no PSD, houve um debate interno sobre a viabilidade de coligações futuras, o que revela uma tentativa de normalização do partido. Esta estratégia, inspirada noutros contextos europeus, pode ter efeitos perversos, contribuindo para legitimar discursos que outrora seriam considerados inaceitáveis.
Do lado da esquerda, a reacção oscilou entre o combate ideológico directo e a subestimação do fenómeno. A fragmentação das forças progressistas dificultou uma resposta coerente e eficaz. Por seu turno, a sociedade civil dividiu-se entre manifestações de repúdio e segmentos que, mesmo sem aderir plenamente ao discurso do Chega, partilham parte do seu descontentamento com o estado da nação.
A democracia enfrenta aqui um dilema: como lidar com um partido que opera dentro das regras do sistema, mas cuja lógica discursiva e proposta programática visam corroer os fundamentos do próprio sistema? A resposta não pode ser apenas legal, mas também cultural e pedagógica. O combate ao populismo autoritário exige capacidade de escuta, propostas alternativas concretas e a defesa firme dos valores democráticos.
A ascensão do Chega representa um momento decisivo na história política recente de Portugal. Para além dos números eleitorais, o fenómeno traduz uma mudança profunda nas percepções, nos discursos e nas expectativas de uma parte significativa da população. O sucesso do partido não deve ser encarado apenas como um episódio passageiro, mas como um sinal de que o modelo democrático vigente enfrenta desafios reais de representação e eficácia.
Perante este cenário, impõe-se uma reflexão séria e urgente por parte das forças democráticas, da sociedade civil e das instituições. O combate ao populismo não se faz apenas com rejeição moral ou indignação pública, mas com políticas públicas eficazes, discursos coerentes e a reconstrução de uma ligação genuína com os cidadãos. A democracia, para se manter viva e plural, precisa de se renovar, sem nunca abdicar dos seus princípios fundamentais.

Gomes Dias, angolano residente em Angola, na província de Luanda. Formado em Comunicação Social, pela Universidade Agostinho Neto (UAN); Pesquisador do Centro de Estudo de Relações Internacionais CERES; Secretário-Adjunto da Assembleia, da Juventude Unida dos País de Língua Portuguesa (JUPLP), e membro associado júnior da Associação Angolana dos Profissionais de Comunicação Institucional (AAPCI).
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Referência Bibliográfica
Gazeta do Povo. (2025, maio 19). Chega! Conheça o partido de direita que ampliou seu espaço e rompeu o “bipartidarismo” em Portugal. https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/chega-conheca-o-partido-de-direita-que-conquistou-espaco-e-rompeu-o-bipartidarismo-em-portugal/
BBC News Brasil. (2025, maio 19). A rápida ascensão do Chega, partido de direita e anti-imigração que empatou com a esquerda em Portugal. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp3q49nzpj0o
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