O Regresso de Ouattara: Implicações Políticas e Regionais na África Ocidental
- CERES

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Introdução
A recondução de Alassane Ouattara para um quarto mandato na Costa do Marfim reabriu debates intensos sobre a natureza da democracia, a consolidação institucional e a estabilidade política na África Ocidental. Apesar de o país ter registado avanços económicos significativos na última década, a permanência de um mesmo líder no poder tende a levantar preocupações estruturais sobre alternância política, previsibilidade democrática e o fortalecimento das instituições do Estado. Como sublinha Acemoglu e Robinson (2019:45), a estabilidade sustentável depende da existência de instituições inclusivas, capazes de limitar excessos de poder e criar mecanismos de controlo democrático.
Neste contexto, o prolongamento de mandatos presidenciais em África tem sido interpretado como um fenómeno que, embora justificado por discursos de estabilidade e continuidade, pode gerar tensões com princípios fundamentais de governação democrática (Ndegwa, 2020:20). A eleição de Ouattara, portanto, não é apenas um acontecimento doméstico, mas reflecte um padrão regional que tem afectado a CEDEAO e os seus princípios de convergência democrática. Assim, a presente pesquisa analisa as implicações políticas e regionais da recondução de Ouattara, avaliando o impacto no sistema político marfinense e na credibilidade das instituições regionais de integração e segurança.
Contexto político e constitucional
A Constituição marfinense tem sido objecto de interpretação polémica, sobretudo no que diz respeito aos limites de mandatos presidenciais. Após a aprovação da nova Constituição em 2016, o governo argumentou que os mandatos anteriores não se aplicavam ao novo contexto constitucional, permitindo que Ouattara concorresse novamente. Esse tipo de reinterpretação constitucional tornou-se frequente na região, como notam Cheeseman e Klaas (2018:55), constituindo um mecanismo utilizado por governos para permanecer no poder sob aparência de legalidade.
Na Costa do Marfim, esta decisão foi recebida com desconfiança pela oposição e parte da sociedade civil, que consideraram o acto uma “manobra institucional” para contornar a alternância democrática. As eleições ocorreram num ambiente de contestação, reforçando a percepção de que a legitimidade formal não garante automaticamente legitimidade política ou social (Gyimah, 2021:20).
Implicações internas
No plano doméstico, o argumento de Ouattara centrou-se na necessidade de preservar a estabilidade económica alcançada desde 2011. De facto, organismos internacionais reconhecem que o país registou um dos crescimentos mais elevados da região (Banco Mundial, 2023). Todavia, como alerta Mbembe (2020:20), a estabilidade sustentada num líder e não num sistema institucional robusto torna-se frágil e vulnerável a crises inesperadas.
A permanência de Ouattara tem dois efeitos principais:
· Refreforço da continuidade governativa permite manter políticas económicas previsíveis e atrativas para investimento externo.
· Fragilização da cultura democrática desencoraja a renovação das elites políticas, reduz o espaço cívico e mina a confiança em processos eleitorais.
Este dilema reflecte um padrão mais amplo em África, onde a “estabilidade autoritária” substitui gradualmente a democracia participativa (Branch Mampilly, 2015:42).
Impacto regional na CEDEAO
A CEDEAO tem apresentado dificuldades em lidar com disputas constitucionais e prolongamentos de mandatos. A recondução de Ouattara enfraquece a capacidade moral e normativa da organização, uma vez que estabelece um precedente que outros líderes podem invocar.
Segundo Hartmann (2022:76), quando um Estado influente da região adopta práticas que fragilizam a alternância democrática, o efeito tende a repercutir-se nos países vizinhos, criando um ambiente permissivo para manipulações constitucionais.
Além disso, o regresso de Ouattara ocorre num momento em que a África Ocidental enfrenta múltiplos desafios de segurança golpes de Estado no Mali, Burkina Faso, Níger e Guiné-Conacri o que coloca pressão adicional sobre a credibilidade da CEDEAO como promotora da estabilidade regional.
Relações económicas e geopolíticas
A continuidade de Ouattara mantém os laços estratégicos com parceiros europeus e actores multilaterais que valorizam a estabilidade e previsibilidade da Costa do Marfim. No entanto, como argumenta Taylor (2021), parcerias externas tendem a privilegiar estabilidade económica sobre profundização democrática, reforçando paradoxos na política externa africana.
O país, sendo uma potência económica na União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA), influencia directamente políticas regionais. A sua estabilidade económica reforça a integração regional, mas o défice democrático pode aprofundar divisões políticas e diplomáticas no bloco.
Conclusão
O revestimento de Alassane Ouattara ao quarto mandato representa um marco significativo na trajectória política da Costa do Marfim e possui implicações profundas para a África Ocidental. Embora proporcione continuidade nas políticas económicas e um ambiente de relativa estabilidade interna, levanta sérias preocupações sobre o reforço de práticas que fragilizam a democracia, reduzem a alternância política e minam a confiança nas instituições nacionais e regionais.
A CEDEAO, já pressionada por múltiplos golpes de Estado e retrocessos democráticos, vê a sua autoridade normativa enfraquecida diante de líderes que prolongam os seus mandatos através de revisões constitucionais controversas. O caso marfinense confirma o dilema africano contemporâneo, como equilibrar estabilidade política, crescimento económico e respeito pelos princípios democráticos.
Assim, a recondução de Ouattara revela que o futuro democrático da região depende cada vez mais da força das instituições e da capacidade de garantir processos eleitorais credíveis, transparentes e inclusivos, em vez de depender exclusivamente de lideranças individuais.

Jaime Antonio Saia
Licenciado em Relações internacionais e Diplomacia pela Universidade Joaquim Chissano (Maputo, Moçambique) Mestrando em Resolução de Conflictos e Mediação. Analista de política internacional na TVM ( Televisão de Moçambique), Soico TV (STV), na Média Mais TV, além de colunista da Revista Zambeze. Pesquisador do CERES (Centro de Estudos das Relações Internacionais) e palestrante em áreas sociais e políticas em Moçambique.
Autor do livro As Relações Internacionais desde Moçambique.
Referências Bibliográficas
Acemoglu, D., & Robinson, J. (2019). Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty. Crown Publishers.
Banco Mundial. (2023). Côte d’Ivoire Economic Update. Washington, DC.
Branch, A., & Mampilly, Z. (2015). Africa Uprising: Popular Protest and Political Change. Zed Books.
Cheeseman, N., & Klaas, B. (2018). How to Rig an Election. Yale University Press.
Gyimah-Boadi, E. (2021). Democratic backsliding in West Africa. Journal of Democracy, 32(3), 15–28.
Hartmann, C. (2022). ECOWAS and Governance Challenges in West Africa. Routledge.
Mbembe, A. (2020). Necropolitics. Duke University Press.
Ndegwa, S. (2020). Constitutional manipulation and third-termism in Africa. African Affairs, 119(475), 1–20.
Taylor, I. (2021). Africa and the Global Political Economy. Routledge.





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