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Parágrafo III do Art 5º da Constituição Federal brasileira e os Direitos Humanos

Atualizado: 26 de set. de 2023

O presente artigo cumpre com a proposta de apresentar a discussão doutrinária que interpreta o parágrafo terceiro do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) como um retrocesso no que tange a recepção de tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, à luz da doutrina, apresenta-se a discussão acerca da materialidade e formalidades dos tratados internacionais incorporados à constituição; por fim, acrescenta-se ainda a implicância desta distinção na eficaz garantia destes direitos aos cidadãos.


A doutrina abordada pelo presente trabalho observa que a Constituição de 1988 incorpora e atribui natureza de norma constitucional aos direitos estabelecidos nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Dessa forma, tais direitos passam a fazer parte do conjunto de direitos expressamente previstos constitucionalmente. A parir desta complementação é estendido a esses documentos internacionais as mesmas garantias fundamentais do regime constitucional. Tal previsão de equivalência é extraída da redação do artigo 5º, parágrafo segundo da CRFB 1988.


Assim, ainda que estes direitos não estejam constitucionalmente previstos na redação do texto constitucional de 1988, o parágrafo segundo do artigo quinto seria capaz de conferir a estes tratados natureza materialmente constitucional, garantindo-lhes valor jurídico de norma constitucional. Isto ocorre, pois, estes mesmos tratados preenchem e complementam o catálogo dos direitos fundamentais previsto pelo texto constitucional (PIOVESAN, 2023). Dessa forma, interpreta-se que o constituinte buscou ampliar o escopo dos direitos fundamentais protegidos no arcabouço constitucional brasileiro.


Desde a perspectiva de grupos políticos minoritário, por exemplo, este é um importante instrumento que permite que seus direitos sejam resguardados sem que a vontade da maioria – por força do regime democrático –, deva necessariamente ser validada.


Entretanto, é com o advento do parágrafo terceiro do artigo quinto da CRFB que uma nova etapa foi acrescida no processo de internalização dos tratados internacionais que versam sobre a temática de direitos humanos. Aprovada em 30 de dezembro de 2004, a Emenda Constitucional nº 45 teve como um de seus objetivos sanar o debate doutrinário e jurisprudencial quanto as correntes que interpretam de diferentes maneiras a hierarquia dos tratados de proteção dos direitos humanos.


O parágrafo terceiro estabelece que os tratados internacionais de direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. A redação passa então a realizar uma distinção, à luz da doutrina, dos trados internacionais de direitos humanos material e formalmente constitucionais e os materialmente constitucionais. Isto pois, é acrescentado um trâmite legislativo ao processo de internalização dos tratados internacionais de direitos humanos.


Nesse sentido, para boa parte da doutrina, os tratados internacionais de direitos humanos que foram ratificados antes do referido parágrafo, ou seja, antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, possuem hierarquia constitucional, sendo considerados normas material e formalmente constitucionais. Para a autora Flavia Piovesan, por exemplo, seria mais adequado que a redação do parágrafo terceiro reiterasse a hierarquia formalmente constitucional de todos os tratados internacionais de direitos humanos; entretanto, estes passaram a ser classificados como equivalentes a emendas constitucionais.


Assim, os tratados de direitos humanos ratificados antes da Emenda n. 45/2004, em virtude da redação dos parágrafos segundo e terceiro do artigo quinto da Constituição, possuem status de normas constitucionais em termos de sua materialidade e formalidade. Em relação aos novos tratados de direitos humanos a serem ratificados após 2004, de acordo com o parágrafo segundo do mesmo artigo, estes serão classificados tão somente como normas materialmente constitucionais. Isto pois, para se tornarem também normas formalmente constitucionais, deverão seguir o procedimento exigido pelo parágrafo terceiro.


Tal distinção decorre da classificação dos tratados internacionais de direitos humanos como emendas constitucionais. A partir do parágrafo terceiro então, para se conferir status formal na Constituição aos tratados de direitos humanos faz-se necessário cumprir um quórum qualificado de três quintos dos votos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos. Isto pois, essa exigência de quórum é precisamente a mesma aplicada para a aprovação de emendas constitucionais, conforme estabelecido pelo art. 60, § 2o, da Constituição de 1988.


Assim, a doutrina entende que o parágrafo terceiro proporciona uma divisão segundo a qual coexistem duas categorias de tratados internacionais de proteção dos direitos humanos: os materialmente constitucionais e os material e formalmente constitucionais (PIOVESAN, 2023). Enquanto todos os tratados internacionais de direitos humanos seguem a classificação de materialmente constitucionais dada a redação do parágrafo segundo do artigo quinto, estes só poderão ser formalmente incorporados ao texto constitucional – equiparando-se às Emendas Constitucionais –, por força do parágrafo terceiro do mesmo artigo. Assim, criou-se uma distinção relevante e tema a ser apreciado na subseção seguinte deste capítulo.


O que se observa, pois, é que, a inclusão do parágrafo terceiro gera no ordenamento jurídico brasileiro a concomitância de direitos fundamentais com proteção constitucional distintas. Se anteriormente os tratados internacionais incorporados pelo Estado brasileiro, para a doutrina, gozavam igualmente de status material e formal, após a redação do parágrafo terceiro faz-se necessário um procedimento de positivação específico tal qual o processo de aprovação de emendas constitucionais. Cria-se, pois, o cenário no qual tratados internacionais de direitos humanos são normas materialmente constitucionais, ainda que não disponham do mesmo regime constitucional.


Um dos argumentos utilizados para justificar a inclusão do § 3º do artigo 5º da Constituição é o reforço da legitimidade democrática dos direitos humanos estabelecidos em tratados internacionais, através do envolvimento do Congresso Nacional. Essa participação parlamentar busca fortalecer a natureza democrática desses direitos, conferindo-lhes maior respaldo e representatividade no contexto nacional. Entretanto, convém-se destacar que o próprio artigo 49, I já institui a participação do Congresso Nacional na aprovação dos tratados (MAGALHÃES; SOZINHO; CARVALHO, 2014).


Dessa forma, argumenta-se dentro do exposto que não há garantias de que o parágrafo terceiro reforça a legitimidade democrática dos direitos humanos incorporados por tratados internacionais. Pelo contrário, quando reconhecida a natureza constitucional material e formal de todos os tratados de direitos humanos devidamente ratificados pelo Brasil estes gozam de garantia equivalente a cláusulas pétreas e, portanto, não podem ser abolidos por meio de emendas constitucionais, conforme estabelecido pelo artigo 60, § 4º. Os direitos enunciados em tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte também são garantidos pela cláusula pétrea dos "direitos e garantias individuais", conforme previsto no artigo 60, § 4º, IV, da Constituição (PIOVESAN, 2023).


Enquanto os tratados materialmente constitucionais podem ser objeto de denúncia, os tratados material e formalmente constitucionais não podem ser denunciados. Isto decorre pois, embora os direitos internacionais estejam abrangidos pelo artigo 60, § 4º, e não possam ser eliminados por meio de emendas constitucionais, os tratados de direitos humanos materialmente constitucionais estão sujeitos à denúncia por parte do Estado signatário (PIOVESAN, 2023). Com efeito, os tratados internacionais de direitos humanos estabelecem regras específicas relativas à possibilidade de denúncia por parte do Estado signatário. Assim, os direitos internacionais podem ser retirados pelo próprio Estado que os incorporou, devido às peculiaridades do regime de direito internacional público.


Por essa razão, a discussão que se apresenta é justamente em relação às consequências da emenda para a recepção de acordos internacionais. A inclusão da etapa e qualificação dos acordos como emendas constitucionais mantém os direitos suspensos enquanto normas materialmente constitucionais até que sejam – caso sejam – formalmente incorporados pelo Congresso Nacional. Nesse sentido, observa-se a inclusão de uma etapa sem que seus efeitos sejam positivos no que tange a incorporação de tratados, já que estes por agora, deverão seguir novo trâmite para alcançar o status que anteriormente lhes era garantido.



Helena Andrade Teixeira Azevedo, Internacionalista formada pela Universidade Federal Fluminense com ênfase em Gestão de Projetos e Políticas Públicaspela Fundação GetúlioVargas. Analista, pesquisadora e redatora com interesse nas áreas de comunicação política, cooperação internacional e direitos humanos. Atualmente atua como Analista de Proteção de Marcas pela React,organização internacional sem fins lucrativos. Membrodo CERES.


Referências Bibliográficas:


BRASIL. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 01 abr. 2023.


PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553624610. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553624610>. Acesso em 12 abr. 2023.


MAGALHÃES; SOZINHO; CARVALHO. Entre a forma e a matéria: A distinção entre tratados internacionais de direitos humanos materialmente e formalmente constitucionais. Revista de Informação Legislativa. Ano 51 Número 201 jan. /mar. 2014.


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