top of page
  • Foto do escritorCERES

Uma nova política francesa para a África?

A França continua de perder seu espaço no esfera Africana, e o último ato, a eleição do Bassirou Diomaye Faye, candidato da oposição, que não era o mais desejado por Paris.


Frente a esse contexto negativo contra o outrora “irmão francês”, o Presidente Macron tenta com algumas iniciativas retormar a mão por vários meios. Um deles, a nomeação de “encarregado especial” para a Africa, o senhor Jean-Marie Bockel, que será o porta-voz do Presidente para sua nova política africana.


Essa nomeação não traz nada de novo se pensamos no perfíl da pessoa já que esse senhor tinha sido Secretário à Cooperação e a Francofonia em um dos governos do Nicolas Sarkozy. Na época ele tinha anunciado “a morte da Françafrica”, e de quem “vivia a custa dos povos por esse mecanismo” como muitos antes e muitos depois, ou seja, nada de novo. Ele não ficaria na história e perdeu rapidamente seu lugar numa reorganização de governo poucos meses depois.


Hoje então esse “novo(?) encarregado especial” tem por objetivo de salvar o que pode ser salvo e de impulsionar algumas reformas nas relações bilaterais que já deviam ter sido feitas há décadas. Mas como intervir em um contexto que deu um giro de 360° graus em somente em 10 anos ?


- Presidente Hollande recebido e aclamado como heroi libertador de Bamako (Mali) em 2013 Vs Exercito francês expulso do Mali, manu milatari em 2022.


Será que ele ou de forma mais ampla o executivo francês percebem o tamanho dos atrasos entre o que França entende e o que deveria ser feito em um continente que viveu uma profunda renovação demográfica e que ainda continua e onde a juventude não quer mais do mesmo, já que na prática isso não tras resultados?


Essas mudanças geracionais trouxeram uma indignação do povo africano, que desaprova uma relação assimétrica entre um Estado ocidental e seus países, que eles consideram soberanos. O executivo francês tem dado a impressão de proteger os interesses das classes dominantes africanas, afastadas do povo, porque em muitos desses países elas têm a garantia de permanecer no poder graças, entre outras coisas, a uma presença militar francesa que é tão ultrapassada quanto invasiva. O apoio a vários ditadores pelo continente e apoio a golpes de estados e a denuncia de outros golpes quando os interesses franceses não são preservados soam até caricatos quando se vê os exemplos em detalhe. 


- oposição feroz aos golpes no Mali, Niger e Burkina Faso que rejeitam o papel do exercito francês


- a favor do golpe do filho Déby, para assumir o poder após a morte do pai e suas repetidas ondas de violência para se manter no poder, sendo a mais recente o incêndio da sede um partido de oposição e a morte de um tio dele. 


Ao contrário do que é amplamente dito na mídia francesa e por uma parte de sua classe política, não é a presença francesa que representa um problema nas suas antigas colónias, mas sim uma questão de a França estar presente de uma maneira diferente, que haja mais reciprocidade nos beneficios dessas relações.


Dentro do Parlamento francês, foram produzidos vários relatórios para alertar os executivos sobre um estado de espírito que alguns analistas consideram como "sentimento antifrancês". Inclusive um desses relatórios fora feito pelo Jean-Marie Bockel, em 2013, quando ele era senador. Todos esses textos ficaram como ecos perdidos nos bastidores dos poderes franceses. Demonstrando assim a desconexão com a realidade em campo.


O contexto de hoje


A situação mudou radicalmente com presença militar russa. Não apenas as forças russas são onipresentes na África, mas em alguns estados, como Mali e República Centro-Africana, elas até mesmo ocupam posições hegemônicas porque o exército francês foi expulso, às vezes sob pressão popular. 


A França conta hoje com mais de mil soldados no Chade que acolhe o comando das forças francesas do Sahel. Mas esse comando “morreu” de fato com a saída das tropas do Mali, Burkina Faso e Niger, que eram as pendentes operacionais. Na prática então esse comando é o que resta da cooperação bilateral entre N’Djamena e Paris. 


O tempo está contado com esse parceiro se assim identificamos a visita do presidente do Chade Mahamat Idriss Déby Itno, em Mosco em Janeiro, onde ele foi recebido por Putin que se propos de fornecer apoio à defesa e à segurança em troca de influência econômica e política. A França está sob pressão em toda a região.


Bockel iniciou um ciclo de encontros neste ínicio de ano com visitas nos países parceiros (por abrigarem bases militares francesas) onde explicaria aos países parceiros – Senegal (350 soldados), Costa do Marfim (900 soldados), Gabão (400 soldados) e Chade, quais serão as adaptações futuras dos acordos diplomáticos e militares da França, e ficar sempre à escuta das necessidades em termos de treinamento, cooperação e equipamentos.

 

Além disso também conversas sobres questões de parcerias comerciais e questões vinculadas a infraestrutura (e muito provavlemente matérias primas, mesmo se não oficialmente mencionadas) foram abordadas.


Ele entregará suas conclusões ao Macron em Julho deste ano, e veremos então o que o Presidente pretenderá implementar e como nos seus três anos de mandato restantes. 

O problema é que mesmo se em teoria existe a vontade de entender, de mudar alguns aspetos nessa relação, na prática os poderes dão a impressão de que há uma profunda lacuna entre os valores que promovem e as políticas que adotam em relação aos cidadãos desses países africanos. 


A recente "lei de imigração" por exemplo, restringiu drasticamente as condições de estudo para estudantes estrangeiros, como nenhuma outra lei no passado. Essa parte da lei, embora rejeitada pelo Conselho Constitucional, surpreendeu e indignou até mesmo os acadêmicos franceses. Os vistos de estudos eram um instrumento de Soft Power forte que França tinha e acaba de enfraquecê-lo uma vez mais.


Como poder imaginar relançar a Francofonia para reduzir os tropismos russo ou chinês na África e, ao mesmo tempo, manter as futuras elites dos países africanos de língua francesa longe dos fóruns de compartilhamento de conhecimento e interação social? A questão fica em aberto para o Presidente responder, ele que quer dar um novo sopro a Francofonia e inclusive lançar um novo canal francês H24 somente para o continente africano.


A incompreensão e a indignação foram ainda maiores no final de outubro de 2023, quando o chefe de Estado francês inaugurou a Cité de la langue française (Cidade da lingua francesa) em Villers-Cotterêts, seu grande projeto cultural sem propor alguma alternativa aos parceiros africanos.


Diante desse cenário, parece imperativo que a presença da França na África finalmente encontre um caminho mais claro e coerente, que esteja em sintonia com as profundas mudanças que estão ocorrendo na África. 


O espaço militar está sendo perdido em parte, o espaço de influência está sendo ruido pela Russia e a China, sem falar da perda de espaço económico, onde a França não é mais o primeiro parceiro em suas ex colónias. Talvez por na mesa a questão das sanções (suspensão da ajuda financeira para alguns paises, suspensão de emissão de vistos), da cooperação, do Franco CFA ou até da dívida de alguns estados seriam primeiros passos importantes a serem feitos para apaziguar as mentes, mas não é esse o caminho tomado no momento.


Enquanto isso em Niamey, vai ser encerrado o Liceu Francês La Fontaine, e o Senegal escolheu uma ministra das Relações Exteriores a quem a França tinha negado um visto no passado para um encontro em Paris.



Marco Alves, Mestre em Ciências Politicas pela Universidade de Paris Oeste Nanterre (ex Paris X), em Direito Internacional e Europeu pela Universidade Grenoble Alpes (ex Grenoble II Pierre Mendes France) e em Relações e Negocios Internacionais pelo ILERI (Instituto de Relações Internacionais de Paris).

Atuou em 28 paises, dos quais o Brasil onde trabalhou durante 10 anos, inclusive para o Governo do Estado de Pernambuco.

Trabalhou para ONGs no continente Africano como especialista em retomada economica em zonas pos conflito.

Hoje é diretor de uma consultoria internacional especializada em ciências e engenharia social com internvenção no Burqina Faso, Costa do Marfim, Mali e Niger.

Consultor em inteligência estratégica e gestão de riscos para o setor empresarial. 

Correspondente para a França e a Europa para a radio CBN Recife.

Empreendedor social, palestrante e mentor pela organização internacional Make Sense

bottom of page