A REORGANIZAÇÃO DO SISTEMA INTERNACIONAL: A CRISE EUA VS CHINA E SEUS IMPACTOS NA AMÉRICA LATINA
- CERES
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Gabriela Oliveira Elesbão
A intensificação das tensões comerciais entre Estados Unidos e China, observada especialmente a partir de 2024, representa mais do que uma simples disputa tarifária entre potências. Trata-se de uma expressão concreta da reconfiguração das dinâmicas do capitalismo global, no contexto de uma crise prolongada de hegemonia e de disputas por controle sobre cadeias produtivas estratégicas. A imposição mútua de tarifas, sobretudo nos setores de alta tecnologia, evidencia a tentativa dos EUA de conter o avanço chinês em áreas consideradas vitais para o domínio econômico e geopolítico, como semicondutores, inteligência artificial e energia limpa.
A atual crise comercial deve ser entendida como parte da competição intercapitalista global por territórios, mercados e tecnologias, no marco das transformações do capitalismo contemporâneo, conforme argumenta David Harvey (2005), ao destacar os mecanismos de "acumulação por despossessão" e a busca incessante por novos espaços de valorização do capital. A crise financeira de 2008 já havia exposto os limites do modelo neoliberal liderado pelos Estados Unidos, abrindo espaço para a ascensão da China como um polo alternativo de acumulação e reorganização produtiva, ainda que profundamente inserida na lógica do capital global.
Autores como Giovanni Arrighi (2008) e Immanuel Wallerstein (2004) também contribuem para a compreensão dessa conjuntura como momento de transição sistêmica. Arrighi, ao analisar os ciclos sistêmicos de acumulação, já apontava para o deslocamento gradual do centro dinâmico do capitalismo em direção ao Leste Asiático, enquanto Wallerstein ressaltava a instabilidade inerente aos períodos de transição hegemônica. A atual disputa entre China e EUA, portanto, pode ser lida como parte de um processo mais amplo de reorganização do sistema internacional, com repercussões profundas nas esferas econômica, política e ideológica.
Para a América Latina, esse cenário de disputa hegemônica traz desafios e oportunidades: países latino-americanos, tradicionalmente posicionados na periferia do sistema-mundo, podem ser atraídos para novas dinâmicas de dependência, seja via inserção subordinada às estratégias de "nearshoring" promovidas pelos Estados Unidos (que buscam relocalizar cadeias produtivas para regiões mais próximas), seja pela intensificação da exportação de commodities para a China. Como alerta Marini (2000), a dependência estrutural das economias latino-americanas às demandas externas tende a perpetuar a condição de subordinação e especialização regressiva, ainda que em novas formas.
No entanto, a multipolaridade emergente também pode abrir brechas para políticas externas mais autônomas e estratégias de desenvolvimento que resistam à lógica puramente extrativista. Como explica Ana Esther Ceceña (2016), o momento de inflexão do sistema internacional requer a construção de alternativas baseadas na soberania popular, na integração regional e na valorização das formas de vida que escapam à racionalidade do capital. A capacidade da América Latina de navegar nesse cenário dependerá, em grande medida, de sua articulação política interna e regional, bem como da construção de projetos próprios de desenvolvimento.
As opiniões aqui expressas são de responsabilidade da autora.

Gabriela Elesbão
Historiadora e mestra em Estudos Estratégicos Internacionais. Meus temas de pesquisa estão relacionados à América Latina, movimentos sociais e impactos do neoliberalismo no continente. Sou voluntária do CERES e gestora de educação.
Referências
Arrighi, G. (2008). Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Boitempo.
Ceceña, A. E. (2016). El gran juego de ajedrez geopolítico: poder mundial, resistencia y movimientos antisistémicos. CLACSO.
Harvey, D. (2005). O novo imperialismo. Edições Loyola.
Marini, R. M. (2000). Dialéctica de la dependencia. México: ERA.
Wallerstein, I. (2004). O declínio do poder americano: Estados Unidos em um mundo caótico. Contraponto.
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