Autoritarismo e resistência cívica: uma leitura crítica da conjuntura política tanzaniana
- CERES
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Introdução
A Tanzânia, historicamente vista como um dos países mais estáveis da África Oriental, enfrenta em um contexto político que revela tensões entre a estabilidade institucional e práticas autoritárias persistentes. Desde o período pós-Magufuli (2015–2021), marcado por forte centralização do poder e restrições às liberdades civis, o país tem experimentado um processo ambíguo de abertura política sob a liderança da Presidente Samia Suluhu Hassan. Apesar de alguns sinais de moderação e diálogo com a oposição, as eleições de 2025 reacenderam debates sobre a real natureza do regime político tanzaniano.
Segundo Levitsky (2010), muitos regimes contemporâneos combinam mecanismos formais de democracia, eleições e pluralismo com práticas autoritárias que limiam a competição real. Este tipo de sistema é designado de autoritarismo competitivo, conceito que se ajusta ao caso tanzaniano, onde o partdominante, o Chama Cha Mapinduzi (CCM), mantém o controlo político e económico há mais de seis décadas.
O problema central que se coloca é o seguinte: até que ponto a Tanzânia de continua a reproduzir traços de autoritarismo, mesmo sob uma aparência democrática?
Níveis de análise
Nível doméstico
No plano interno, a Tanzânia em 2025 mantém uma estrutura política dominada pelo partido Chama Cha Mapinduzi (CCM), que governa ininterruptamente desde a independência de 1961. Apesar das eleições periódicas, o sistema político mostra práticas autoritárias. O controlo dos meios de comunicação, a instrumentalização da justiça e a intimidação de opositores políticos têm sido amplamente reportados.
A sociedade civil, embora enfrentando restrições, tem demonstrado crescente resiliência. Movimentos como ChangeTanzani e grupos religiosos têm promovido o debate público e exigido maior transparência. Assim, no nível doméstico , observa-se uma tensão constante entre autoritarismo e resistência cívica, que define o ritmo e os limites da democratização.
Nível regional (SADC e África Oriental )
No nível regional, a Tanzânia desempenha um papel duplo, pois é simultaneamente membro ativo da Comunidade de Desenvolvolvimento da África Austral (SADC) e da Comunidade da África Oriental (EAC).
A crise política tanzaniana não passou despercebida às instâncias regionais. A SADC manifestou "preocupação" com o aumento das tensões pós-eleitorais, apelando ao diálogo entre o governo e a oposição (SADC, 2025). No entanto, a actuação da organização tem sido criticada por limitar-se a declarações diplomáticas, sem exercer pressão efetiva sobre o regime.
Na dimensão da África Oriental, a Tanzânia procura preservar uma imagem de “país estável” num contexto regional conturbada (com tensões no Burundi, Uganda e RDC). Assim, a estabilidade interna é vista como ativo estratégico regional, o que leva os vizinhos a evitarem críticas públicas ao regime tanzaniano.
O efeito prático é que, no nível regional, a pressão democrática é fraca: os mecanismos da SADC e da EAC funcionam mais como instrumentos de cooperação do que como promotores de reformas políticas.
Nível sistémico (internacional)
A comunidade internacional, por sua vez, mantém uma postura ambígua. Países parceiros continuam a apoiar projectos de desenvolvimento no país, mas evitam confrontar abertamente o governo, temendo desestabilizar uma região estratégica. Tal comportamento reforça, como argumentam Levitsky e Way (2010), a longevidade dos regimes híbridos, que conseguem equilibrar repressão interna e legitimidade externa.
As organizações internacionais de direitos humanos continuam a denunciar violações, mas com impacto limitado. No contexto global, os valores democráticos enfrentam uma retração, e regimes como o da Tanzânia encontram espaço para se consolidar.
Desenvolvimento
Traços autoritários no sistema político tanzaniano A hegemonia do Chama Cha Mapinduzi (CCM ) constitui o eixo central da política tanzaniana. Embora o país realize eleições regulares, estas têm sido caracterizadas por denúncias de fraude, manipulação dos resultados e intimidação de opositores (Freedom House, 2025). A Comissão Nacional Eleitoral, cujos membros são nomeados pelo Presidente, tem sido frequentemente acusada de parcialidade.
Durante o processo eleitoral de 2025, observadores da União Africana e da SADC registaram limitações à liberdade de imprensa, detenções arbitrárias de ativistas e restrições às manifestações públicas. Estes elementos apontam para o que Dahl (1971) denomina de "poliarquia
limitada", isto é, uma estrutura política onde a participação existe formalmente, mas é controlada de modo a garantir a perpetuação do poder.
Além disso, o espaço cívico tem sido alvo de crescente vigilância estatal. Relatórios da Amnistia Internacional (2025) referem que várias organizações não governamentais viram as suas licenças suspensas sob o pretexto de "actividades contrárias à segurança nacional". Este padrão ilustra o controlo seletivo do pluralismo, estratégia típica de regimes híbridos (Levitsky, 2010).
Formas de resistência
Apesar das restrições, a sociedade civil tanzaniana tem mostrado resiliência. Movimentos estudantis, associações religiosas e grupos de mulheres têm desempenhado um papel relevante na defesa de direitos políticos e sociais. Com o crescimento do acesso à internet e às redes sociais, novas formas de mobilização digital têm emergido, desafiando o controlo do Estado sobre a informação (Cheeseman, 2018).
Um exemplo notável é o movimento ChangeTanzania, que utiliza plataformas digitais para divulgar casos de corrupção e mobilizar cidadãos em torno de reformas democráticas. Estes esforços, ainda que pontuais, demonstram a capacidade da sociedade civil em criar espaços alternativos de expressão política.
De acordo com O’Donnell e Schmitter (1986), os processos de abertura política em regimes autoritários raramente ocorrem de forma linear; eles resultam de pressões internas e externas, incluindo a acção de grupos cívicos organizados. Assim, a resistência cívica na Tanzânia deve ser vista como parte de uma dinâmica de contestação que, embora reprimida, mantém viva a possibilidade de democratização gradual.
Conclusão
A análise da conjuntura política tanzaniana em 2025 revela um regime híbrido, que combina elementos democráticos formais com práticas autoritárias persistentes. O partido dominante CCM continua a controlar os principais instrumentos de poder, limitando a alternância política e a liberdade de expressão.
Contudo, a resistência cívica, ainda que dispersa e sujeita à repressão, tem demonstrado vitalidade, sobretudo através de movimentos sociais, religiosos e digitais. Esta resistência constitui o principal contraponto ao autoritarismo e o motor de possíveis transformações futuras.
Em suma, a Tanzânia permanece num equilíbrio instável entre autoritarismo e aspirações democráticas. O futuro do país dependerá da capacidade das forças cívicas de manter a pressão e de a comunidade regional assumir uma postura mais firme na defesa dos princípios democráticos.

Jaime Antonio Saia
Licenciado em Relações internacionais e Diplomacia pela Universidade Joaquim Chissano (Maputo, Moçambique) Mestrando em Resolução de Conflitos e Mediação. Analista de política internacional na TVM ( Televisão de Moçambique), Soico TV (STV), na Média Mais TV, além de colunista da Revista Zambeze. Pesquisador do CERES (Centro de Estudos das Relações Internacionais) e palestrante em áreas sociais e políticas em Moçambique.
Autor do livro As Relações Internacionais desde Moçambique.Com ampla experiência em Gestão de Empresas.
Referências bibliográficas
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CHEESEMAN, N. (2018). Democracy in Africa. Cambridge University Press.
CHEESEMAN, N. (2018). Democracy in Africa: Successes, Failures, and the Struggle for Political Reform. Cambridge: Cambridge University Press.
Competitive Authoritarianism: Hybrid Regimes After the Cold War. Cambridge: Cambridge University Press. O’DONNELL, G.; SCHMITTER, P. C. (1986). Transitions from Authoritarian Rule: Tentative Conclusions about Uncertain Democracies.
DAHL, R. A. (1971). Polyarchy: Participation and Opposition. New Haven: Yale University Press.
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FREEDOM HOUSE. (2025). Freedom in the World 2025: Tanzania. Washington, D.C.: Freedom House. LEVITSKY, S.; WAY, L. (2010).
LEVITSKY, S.; WAY, L. (2010). Competitive Authoritarianism. Cambridge University Press. SADC. (2025). Communiqué on Tanzania Elections.

