Cobertura Seletiva: A Invisibilidade das Guerras do Oriente Médio na MídiaOcidental
- CERES
- 5 de mai.
- 3 min de leitura
Júlia Saraiva
Em um mundo cada vez mais conectado, o papel da mídia na formação da opinião
pública global é decisivo. A forma como conflitos são apresentados — ou ignorados — pelos meios de comunicação, influencia diretamente a percepção coletiva sobre o que merece atenção, solidariedade e ação. Nesse cenário, observa-se uma clara desigualdade na cobertura de conflitos armados, especialmente quando se comparam as guerras no Oriente Médio com as em territórios mais próximos dos interesses políticos, econômicos e culturais do Ocidente.
A cobertura ampla e contínua da guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em 2022, contrasta fortemente com a forma como outros conflitos prolongados, como a guerra civil na Síria, o conflito no Iêmen ou mesmo a guerra em curso entre Israel e Palestina e a escalada do conflito no Líbano, são abordados. Muitas vezes, esses conflitos recebem atenção direcionada, com destaque apenas em momentos de intensificação extrema ou quando há envolvimento direto de potências ocidentais, como os Estados Unidos.
Esse padrão de visibilidade seletiva tem implicações significativas. A guerra entre Israel e Hamas, por exemplo, de outubro de 2023, resultou em milhares de mortes e na devastação da Faixa de Gaza. Diversos organismos internacionais, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU), têm alertado sobre uma grave crise humanitária em curso, com alegações de uso desproporcional da força e denúncias que especialistas passaram a classificar como potencial genocídio contra a população civil palestina. Ainda assim, a cobertura midiática ocidental, em muitos casos, limita-se a reproduzir narrativas institucionais, sem aprofundar os fatores históricos, políticos e sociais que envolvem o conflito.
Essa assimetria de cobertura pode ser explicada, em parte, pela relação histórica do Ocidente com o Oriente Médio. Edward Said, em sua obra “Orientalismo”, argumenta que o Oriente foi construído simbolicamente como o “outro”, uma representação exótica,
ameaçadora e inferior. Essa construção cultural, segundo Said, ainda influencia a forma como sociedades ocidentais se relacionam com povos e culturas do Oriente, inclusive na maneira como seus problemas políticos são noticiados.
A omissão de certos dados ou a ênfase seletiva em determinados aspectos do conflito reforçam uma narrativa parcial e comprometem a compreensão mais ampla dos acontecimentos. É importante destacar que o envolvimento político, econômico e militar de
países ocidentais em conflitos no Oriente Médio, como no fornecimento de armamentos, apoio diplomático ou intervenções diretas, também pode influenciar o enquadramento jornalístico. Em algumas situações, a cobertura tende a suavizar ou relativizar os impactos desses envolvimentos, em detrimento da pluralidade informativa.
Não se trata de sugerir que a mídia deve abandonar critérios editoriais ou deixar de cobrir determinadas guerras, mas sim de refletir sobre como esses critérios são definidos e quais interesses eles atendem. A centralidade de certas guerras no noticiário — especialmente aquelas que afetam diretamente o Ocidente — não deveria implicar a invisibilização de outras, onde o sofrimento humano é igualmente alarmante.
Promover uma cobertura mais equilibrada, contextualizada e transparente é essencial para fortalecer o papel da imprensa como mediadora da realidade internacional. Em tempos de desinformação e polarização, a responsabilidade jornalística vai além da simples transmissão de fatos: ela exige compromisso com a complexidade dos acontecimentos e com o direito à informação plural e crítica.
Oferecer uma cobertura jornalística mais equilibrada, sensível à complexidade dos fatos e atenta aos direitos humanos, é fundamental para garantir que esses acontecimentos não sejam reduzidos a narrativas simplificadas. Ao ampliar o olhar para além das fronteiras do interesse imediato, a mídia cumpre seu papel essencial: informar, contextualizar e contribuir para uma consciência pública mais crítica e engajada.
Nesse processo, é igualmente importante que a população vá além do simples ato de consumir notícias, seja pela televisão ou internet, e busque compreender os acontecimentos
por meio de análises feitas por profissionais especializados, como jornalistas experientes, acadêmicos e analistas internacionais. Esses profissionais oferecem uma visão mais ampla e profunda, capaz de revelar as camadas geopolíticas, históricas e sociais por trás dos eventos, permitindo uma compreensão mais informada e responsável da realidade global.
“As declarações aqui expressas são de responsabilidade do autor”.

Biografia Júlia Saraiva:
Formada em Relações Internacionais pela UniLaSalle-RJ. Tem pesquisa acadêmica voltada
para as políticas dos Estados Unidos e do Oriente Médio, com ênfase na influência de lobbies, estratégias militares e relações diplomáticas na região. Pesquisadora do Centro de
Estudos de Relações Internacionais CERES e consultora de internacionalização de empresas.
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Referências Bibliográficas:
CHOMSKY, Noam. Mídia: Propaganda Política e Manipulação. São Paulo: Contexto,
2003.
HERMAN, Edward S.; CHOMSKY, Noam. Manufacturing Consent: The Political
Economy of the Mass Media. New York: Pantheon Books, 1988.
RAMONET, Ignacio. A tirania da comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001.
SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
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