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Contributo da Zona de Livre Comércio da SADC no Desenvolvimento Económico de Moçambique

Introdução


Apresente pesquisa insere-se num contexto internacional em que o mundo pauta relações de cooperação para o desenvolvimento, a região da SADC e Moçambique em particular não são uma excepção a essa realidade. A integração foi vista como uma forma dos Estados unirem esforços diante dos desafios apresentados. Em 2018, constatou-se que o comércio intra-regional de África representava apenas 16% do comércio mundial.


Neste sentido, a criação da ZLC Continental surgiu como uma forma dos Estados africanos em criar um grande mercado que permitirá desenvolver as trocas comerciais entre os mesmos, tendo em conta as limitações da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o protecionismo aplicado pela União Europeia (UE) (Diário de Notícias, 2018). Esta também seria uma forma de África se emancipar das antigas potências coloniais e da China, dinamizando, paralelamente, uma indústria em fase de crescimento. Esta tendência representou a materialização de uma ideia que os Estados africanos já vinham a implementar ao nível das suas regiões.


Os primeiros marcos da integração regional na região da África Austral foram registados com a criação da SADCC pelo Estados da Linha da Frente na década de 1980, que constituiu um fórum para a superação de problemas comuns. Neste sentido, a SADC como instituição para promover o desenvolvimento regional, apresentou a ZLC como um projecto com o objectivo de liberalizar o comércio intra-regional de bens e serviços, contribuir para o melhoramento de clima de investimentos ao nível doméstico, assegurar a produção eficiente, e para impulsionar o desenvolvimento económico, a diversificação das economias e a industrialização da região (SADC, 2012). Esta ideia foi acolhida por uma parte considerável dos Estados membros da organização regional, sendo que Moçambique foi um dos Estados a aderir ao processo.


Moçambique foi um dos primeiros Estados a promulgar todos os instrumentos necessários à implementação do Protocolo Comercial da SADC. Por seu turno, a sua posição geográfica e a disponibilidade de recursos energéticos permitem ao país possuir uma vantagem comparativa em relação aos restantes Estados da região. No tocante à sua localização geográfica, o facto de o país estar localizado na costa do Oceano Índico, torna-o no principal corredor para escoar as mercadorias dos Estados localizados no interior (Massangaie, 2018:50). Adicionalmente, as descobertas de enormes reservas de gás natural, carvão mineral e outros minerais como a grafite, abriram um novo horizonte para o país que tenta se recuperar de uma crise económica profunda iniciada em 2016 (Dos Santos, 2020:2). Esses factores propiciam vantagens para que Moçambique possa competir e auferir maiores ganhos de participar da ZLC da SADC para o seu desenvolvimento económico.


Justificativa


Apesar do tema proposto a se desenvolver já ter sido abordado por vários autores, o seu desenvolvimento permanece pertinente uma vez que a questão da integração regional como alternativa para o desenvolvimento continua a preocupar pesquisadores nos mais variados níveis. Entretanto, o estudo proposto pela pesquisadora se diferencia dos demais estudos existentes por dois motivos distintos. Primeiro, porque este se desenrola no contexto da descoberta de recursos naturais energéticos, principalmente o carvão mineral e o gás natural, ambos de extrema importância. Segundo, a pesquisa tem em conta a componente das implicações para o desenvolvimento, algo que a maior parte das pesquisas no assunto não abordam. Assim, a pesquisa traz um diferencial para o acervo bibliográfico existente.


No campo prático, a pesquisa procura apresentar resultados que permitam extrair alternativas para que Moçambique consiga tirar maior proveito da integração regional na SADC. Não apenas os resultados poderão contribuir nesse aspecto, mas também serão uma base para a continuação da realização de pesquisas no assunto.


Problematização


O processo de integração regional iniciou com muita euforia e metas ambiciosas esperando-se que até 2018 já se estaria numa integração Económica e Monetária. Entretanto, a integração regional permanece um processo inacabado. Esse facto fez surgir um debate aceso ao nível da comunidade académica principalmente para as implicações que a abertura ao livre comércio poderia ter para Moçambique.


Autores como Bhoratet et al. (2019:39) afirmam que a criação da ZLC pode contribuir para redução da dependência económica de Moçambique em relação a um número limitado de parceiros comerciais e para a ampliação do comercio intra-regional. No entanto, é necessário analisar os possíveis impactos em sectores específicos da economia moçambicana, como a agricultura, industria e os serviços, e avaliar as possíveis consequências para o desenvolvimento regional.


De acordo com Boubacar-Sid Barry, representante do Banco Africano de Desenvolvimento, a criação da ZLC na África Austral é uma oportunidade para Moçambique aumentar as suas exportações e diversificar a sua economia. No entanto, o autor também destaca que é importante que Moçambique esteja preparado para competir com os outros países membros da ZLC, especialmente em sectores estratégicos como agricultura e a indústria (BAD,2019).


De acordo com Furtado (2000:327), a ideia de integração regional faz parte de um processo de reestruturação das economias, de primário-exportadoras a abastecedoras do mercado interno. De acordo com a tese de Furtado, poderia se considerar que a adesão de Moçambique à ZLC da SADC seria uma oportunidade para a substituição de importações. Contudo, há que se ter em conta que os ganhos serão maximizados no caso do processo de integração regional ser acompanhado de um planeamento, que repartisse entre os países participantes as unidades produtivas, conforme argumenta o autor (Furtado, 2000:329).


Neste sentido, existe o perigo do país ficar ainda mais dependente das importações afectando negativamente o seu crescimento económico. Para além disso, a liberalização pode ser prejudicial para a indústria nacional nascente de países pequenos como Moçambique, na medida em que esta pode não conseguir competir com países relativamente mais eficientes, conforme afirmam Krugman e Obstfeld (2010:137). Ficando assim notável que a participação de Moçambique na ZLC da SADC é um assunto controverso.


Tendo em conta o debate sobre o assunto, surge o seguinte questionamento: Qual é o contributo da Zona de Livre Comércio da SADC no desenvolvimento económico de Moçambique (2008-2021)?


O processo da criação da zona de comércio livre da SADC


O Protocolo Comercial da SADC ou Protocolo sobre Trocas Comerciais na Região da SADC foi assinado em 24 de Agosto de 1996 por 11 Estados membros da SADC, nomeadamente: Botswana, Lesotho, Malauí, Maurícias, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia, Zâmbia, Tanzânia, e Zimbabwe. Angola subscreveu o Protocolo Comercial da SADC em 2003 e passou a preparar a sua oferta de redução tarifária e o Madagascar aderiu ao Protocolo em 2005 e apresentou, em 2006, a sua oferta de redução tarifária, bem como o instrumento para o início da implementação (Massangai, 2018:44). Apenas a República Democrática do Congo não é signatária deste protocolo.


O Protocolo Comercial da SADC entrou em vigor em 25 de Janeiro de 2000 e a sua implementação decorre desde Janeiro de 2001 e tinha como finalidade a criação de uma Zona de Livre Comércio da SADC em 2008. Este protocolo tinha os seguintes objectivos (SADC, 1996:3-4):


Segundo Massangai (2018:45), o processo de integração económica na SADC baseia-se no princípio de assimetria, que consiste no tratamento diferenciado dos países em função do seu nível de desenvolvimento. Esta assimetria operacionaliza-se na medida em que os países mais desenvolvidos devem desarmar suas tarifas mais cedo e mais rapidamente que os países em desenvolvimento e, estes, por sua vez, mais cedo e mais rapidamente do que os países menos desenvolvidos (Ibid.). Isto permite assegurar os interesses dos países menos desenvolvidos em não ver a sua economia nacional negativamente afectada com o processo de liberalização, através, por exemplo, da substituição da produção nacional pela importação de produtos mais baratos dos países mais desenvolvidos.


O enfoque do Protocolo Comercial é fundamentalmente o comércio de bens que vem expresso nos seus 39 artigos que advogam para medidas de facilitação do comércio e do investimento. Os instrumentos para a implementação do mesmo incluem anexos sobre os seguintes assuntos (MIC, s/d:2):


Regras de origem para os produtos comercializados entre os Estados Membros da SADC (este anexo contém um apêndice sobre o comércio de têxteis e confecções);


Regras para a cooperação aduaneira;


Formas de simplificação e harmonização de documentação e procedimentos comerciais;

Comércio transitário e instalações de trânsito;


Desenvolvimento do comércio, em particular as formas de facilitação do mesmo;


Mecanismos de resolução de disputas;


Comércio do açúcar.


Moçambique foi considerado um dos países mais entusiastas na implementação do Protocolo Comercial da SADC. Isto pode ser justificado pela acção moçambicana em garantir atracção de investimento regional para o país por forma a recuperar a sua economia que fora afectada pela guerra civil. Nesse sentido, era necessário para Moçambique garantir a operacionalização deste protocolo, tendo esta se traduzido na abertura do mercado moçambicano nos seguintes níveis:


para a África do Sul, de 2001 até finais de 2007, em cerca de 28.10 % (mantendo-se protegido em cerca de 71.9%), 92.5% no período de 2008 até finais de 2014 (cerca de 7.5% protegido), e 99.57% de 2015 em diante (mantendo-se protegido em apenas 0.43%). Em relação aos outros países da região (sem a África do Sul), os níveis de abertura do mercado moçambicano, no âmbito do Protocolo Comercial da SADC foram de 30.4% até finais de 2007 (mantendo-se protegido em 69.96%), cerca de 93.93% no período de 2008 até finais de 2014 (mantendo-se protegido em cerca de 6.07%) e de cerca de 2015 em diante (Massangai, 2018:46).


No geral, o Protocolo Comercial da SADC visa facilitar o comércio regional e melhorar a cooperação económica entre os Estados membros da organização regional. Ao reduzir as barreiras comerciais, melhorar o ambiente favorável ao investimento e a liberalização do comércio, o Protocolo visa criar um abiente propício para os negócios, aumentar a competitividade e impulsionar o desenvolvimento doos Estados membros da SADC. Assim sendo, este protocolo reveste-se de grande importância, pois abriu o caminho para o estabelecimento de uma ZLC que fosse capaz de garantir a operacionalização destes objectivos.


Criação da Zona de Livre Comércio da SADC


Na ZLC em particular, os Estados-membros de um determinado bloco económico removem todas as barreiras comerciais entre si, mas cada país mantém as suas barreiras em relação à Estados que não são membros do bloco económico. Nesta fase os Estados adoptam a regra de origem para parceiros externos como forma de impedir que outros Estados se beneficiem do acordo de livre comércio.


O estabelecimento da ZLC da SADC foi resultado das negociações que seguiram após a adopção do Protocolo Comercial da SADC. A ZLC foi criada quando um programa gradual de reduções tarifárias, iniciado em 2001, resultou na obtenção de condições mínimas para a ZLC – houve eliminação de tarifas em 85% do comércio intra-regional entre os Estados membros da SADC (SADC, 2012). A sua criação tinha como os objectivos: liberalizar o comércio intra-regional de bens e serviços, contribuir para o melhoramento de clima de investimentos ao nível doméstico, assegurar a produção eficiente, para impulsionar o desenvolvimento económico, a diversificação das economias e a industrialização da região (SADC, 2021).


Contributo da ZLC da SADC no Bem-Estar em Moçambique


No caso de Moçambique, a ZLC da SADC contribuiu para o bem-estar da população moçambicana. A medição do impacto da ZLC da SADC no bem-estar da população moçambicana pode ser feito com base na análise das variáveis já abordadas nos subcapítulos anteriores, tais como o IDE, geração de emprego e desenvolvimento de infraestruturas. A entrada de IDE regional em Moçambique levou ao estabelecimento de empreendimentos que criarampostos de trabalho no país. É o caso da Mozal com um total de 1,250 funcionários (95% dos qual são moçambicanos) e mais de 10 mil pessoas empregues através de projectos associados a Mozal, o Supermercado Shoprite com 1000 funcionários moçambicanos, bem como os postos de trabalho criados pelos grandes bancos como o Standard Bank, Grupo ABSA e o First Capital Bank. É preciso ter em consideração os postos de trabalho criados pelas pequenas e médias empresas que prestam serviços à estes empreendimentos.




Jaime Antonio Saia

Licenciado em Relações internacionais e Diplomacia pela Universidade Joaquim Chissano (Maputo, Moçambique) Mestrando em Resolução de Conflictos e Mediação. Analista de política internacional na TVM ( Televisão de Moçambique), Soico TV (STV), na Média Mais TV, além de colunista da Revista Zambeze. Pesquisador do CERES (Centro de Estudos das Relações Internacionais) e palestrante em áreas sociais e políticas em Moçambique.

Autor do livro As Relações Internacionais desde Moçambique. Com ampla experiência em Gestão de Empresas.


Referências Bibliográficas


Balassa, B. (1961), Teoria de Integração Económica, Clássica: Lisboa.

Dos Santos, Francisco (2020), War in Resource-Rich Northern Mozambique – Six Scenarios, CHR Michelsen Institute: Bergen.

Fonseca, M. (2006), Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Thomson Learning: São Paulo.

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Keohane, Robert (1984), After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy, University Press: Princeton.

Söderbaum, Fredrik (2004), The Political Economy of Regionalism: The Case of Southern Africa, Palgrave Macmillan: New York.

Viner, Jacob (1950), The Customs Union Issues, Carnegie Endowment for International Peace: New York.

Viotti, Paul R. & Kauppi, Mark V. (2012), International Relations Theory: Realism, Pluralism, Globalization and Beyond, Longman: New York.

Wache, Paulo Mateus (2012), A União Europeia e as suas Relações com o Mundo: Entendendo a Política Externa da União Europeia para África, Instituto Superior de Relações Internacionais: Maputo.

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