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De Brexit a Trump 2.0: O Conservadorismo que Olha para Trás e Conquista o Presente

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    CERES
  • 2 de jun.
  • 5 min de leitura

Júlia Saraiva 


Nas últimas décadas, o mundo assistiu ao crescimento constante de uma tendência que já não pode ser ignorada nem atribuída exclusivamente a figuras como Donald Trump, Jair Bolsonaro ou Giorgia Meloni. O conservadorismo – em suas múltiplas expressões – não está apenas elegendo líderes, mas conquistando sociedades inteiras. Em 2025, essa virada cultural e política se consolidou com a volta de Trump à presidência dos Estados Unidos, selando um ciclo de reações globais contra os pilares da ordem liberal pós-Guerra Fria. 


Mas o que está realmente em ascensão: o conservadorismo em si ou a identificação de parcelas cada vez maiores da população com os valores que ele representa? 


Para entender esse fenômeno, é necessário abandonar a análise centrada apenas em lideranças carismáticas e observar as bases sociais que alimentam essa virada. A teoria de David Goodhart, em The Road to Somewhere (2017), ainda é uma das melhores chaves de leitura disponíveis. Ele propõe que o mundo contemporâneo esteja dividido entre dois grandes arquétipos: os “Anywheres” e os “Somewheres”. Os primeiros são cosmopolitas, educados, adaptáveis e fluem facilmente entre fronteiras culturais e geográficas. Já os “Somewheres” são mais enraizados em suas comunidades, apegados a tradições, céticos quanto à globalização e às mudanças culturais aceleradas. 


Durante anos, os “Anywheres” moldaram a política, a cultura e a economia global, promovendo pautas progressistas, multiculturalismo, integração regional e mobilidade global como ideais universais. Mas a conta chegou. Para milhões de “Somewheres”, a globalização trouxe perda de identidade, de estabilidade econômica e de coesão comunitária. Esse ressentimento foi sendo cultivado silenciosamente até encontrar expressão política – primeiro no Brexit, depois em eleições e movimentos que se espalharam como rastilho de pólvora: Trump nos EUA, Le Pen na França, Meloni na Itália, Vox na Espanha, o PiS na Polônia, Orbán na Hungria, e até o fortalecimento de agendas conservadoras em democracias do Sul Global, como Filipinas, Índia e Brasil. 


Não se trata apenas de conservadorismo no sentido ideológico tradicional. O que estamos vendo é a ascensão de um conservadorismo afetivo, que apela à sensação de pertencimento, à memória idealizada de um passado mais “ordenado” e à rejeição dos desconfortos do presente — sejam eles imigração, políticas de gênero, mudanças climáticas ou reorganização das estruturas familiares. Para milhões de pessoas, essas transformações não são vistas como progresso, mas como ameaça existencial.


A força desse conservadorismo contemporâneo está, portanto, em seu apelo emocional. Enquanto elites e instituições falam em “dados”, “evidências” e “melhores práticas”, os novos movimentos conservadores falam em “identidade”, “honra”, “sacrifício”, “Deus”, “pátria” e “família”. É um discurso simples e moralmente claro, por isso tão poderoso. O crescimento dessas ideias não se sustenta apenas na figura de líderes carismáticos, mas em um ecossistema robusto de influência: igrejas, escolas, redes sociais, mídias alternativas, algoritmos e comunidades digitais que moldam percepções e afetos. Nesses espaços, a ‘verdade’ deixa de ser um compromisso com os fatos e passa a ser uma narrativa emocionalmente validada — frequentemente permeada por ressentimento, desinformação, preconceito e discursos de ódio. 


A nova eleição de Donald Trump, agora em 2024, e sua volta ao poder em 2025, reforçam essa dinâmica. Seu retorno foi interpretado por seus apoiadores como a revanche contra uma elite “globalista” que tentou silenciá-los. O trumpismo, agora renovado, inspira políticas semelhantes em outras partes do mundo, criando um verdadeiro eixo internacional conservador. A cooperação entre esses movimentos ultrapassa fronteiras e se alimenta mutuamente. Em fóruns online, conferências e redes sociais, ideias como o nacionalismo cristão, o combate à “ideologia de gênero” e o ceticismo climático circulam com intensidade e encontram cada vez mais eco. 


Na Europa, o avanço da extrema-direita não é mais episódico: é estrutural. Na França, o partido de Le Pen está mais próximo do que nunca de conquistar o poder. A AfD, na Alemanha, cresce a despeito de escândalos e críticas da imprensa tradicional. A Hungria já funciona como modelo de “democracia iliberal”. Em países escandinavos, tradicionalmente progressistas, partidos conservadores ocupam espaços centrais na formulação de políticas migratórias e de segurança. Em todos esses lugares, a adesão aos valores conservadores vem de baixo para cima — das urnas, sim, mas também das igrejas, dos bairros periféricos, dos influencers digitais e da raiva reprimida. 


E não se trata apenas de direita ou de esquerda: o conservadorismo está moldando o centro político. Mesmo partidos tradicionalmente moderados passam a adotar pautas mais restritivas, como resposta à pressão popular. O medo da imigração, da perda de identidade nacional e da ruptura dos valores familiares tornaram-se forças motrizes que nenhuma liderança pode ignorar. 


Isso nos obriga a abandonar análises que culpam apenas a manipulação midiática ou o populismo retórico. O conservadorismo atual é sustentado por uma cultura política real, que vê nas promessas da modernidade liberal — diversidade, inclusão, mobilidade, pluralismo — não um avanço, mas uma ameaça. A pergunta, então, muda: como lidar com o fato de que milhões de cidadãos, em todo o mundo, desejam menos liberdade e mais ordem? Menos diversidade e mais identidade? Menos universalismo e mais tribalismo? 


Essa é a encruzilhada que define o nosso tempo. Não estamos apenas lidando com ciclos eleitorais, mas com uma transformação profunda na forma como parcelas da população enxergam o mundo, o outro e a si mesmos. O conservadorismo está se tornando não apenas um posicionamento ideológico, mas uma resposta emocional e moral à complexidade do século XXI. 


Estamos testemunhando apenas o crescimento de líderes conservadores — ou o surgimento de uma nova maioria silenciosa, cada vez mais convencida de que o futuro só pode ser salvo ao custo de voltar ao passado? 

“As declarações aqui expressas são de responsabilidade do autor”. 




Júlia Saraiva
Júlia Saraiva

Biografia Júlia Saraiva: 

Formada em Relações Internacionais pela UniLaSalle-RJ. Tem pesquisa acadêmica voltada para as políticas dos Estados Unidos e do Oriente Médio, com ênfase na influência de lobbies, estratégias militares e relações diplomáticas na região. Assistente Comercial na empresa Rio de Negócios, consultora de internacionalização de empresas e pesquisadora do Centro de Estudos de Relações Internacionais CERES. 

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Referências Bibliográficas 

GOODHART, David. The Road to Somewhere: The Populist Revolt and the Future of Politics. Londres: C. Hurst & Co., 2017. Disponível em: https://www.hurstpublishers.com/book/the-road-to-somewhere/. Acesso em: 29 maio 2025. 

MUDDE, Cas. The Far Right Today. Cambridge: Polity Press, 2019. Disponível em: https://politybooks.com/bookdetail/?isbn=9781509536849. Acesso em: 29 maio 2025. 

NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronald. Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritarian Populism. Cambridge: Cambridge University Press, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1017/9781108595841. Acesso em: 29 maio 2025. 

PECEQUILO, Cristina S. O poder global dos Estados Unidos: hegemonia, unilateralismo e multilateralismo na era da guerra ao terror. São Paulo: Editora Unesp, 2010.

SANTORO, Maurício. Brasil, Estados Unidos e a política internacional: do alinhamento automático à multipolaridade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2019. 

BBC NEWS. O que é a teoria dos Somewheres e Anywheres, que explica a polarização no mundo. 3 set. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58412342. Acesso em: 29 maio 2025. 

THE GUARDIAN. Why David Goodhart is wrong about the ‘anywheres’ and ‘somewheres’. 4 maio 2017. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2017/may/04/david-goodhart-anywheres-somewhe res. Acesso em: 29 maio 2025. 

INTERNATIONAL CRISIS GROUP. The Rise of Authoritarian Populism and the Risks for Democracy. 2023. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/global/rise-authoritarian-populism-and-risks-democracy. Acesso em: 29 maio 2025. 

LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL. O avanço da ultradireita na Europa. nov. 2023. Disponível em: https://diplomatique.org.br/o-avanco-da-ultradireita-na-europa/. Acesso em: 29 maio 2025.

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