Desafio da Cooperação Moçambique – China para o Desenvolvimento Económico de Moçambique
- CERES
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Contextualização
A presente pesquisa insere-se no contexto da cooperação Sino-Africana, onde a China proporciona grandes investimentos e outros benefícios aos países africanos em troca da concessão na exploração de diversos recursos naturais, como por exemplo o petróleo, a madeira e outras matérias-primas. Esta cooperação é caracterizada pela vontade de articulação política e de intercâmbio sócio-económico, tecnológico e científico entre aquele país asiático e os Estados africanos para a obtenção de ganhos mútuos, facto que propicia o desenvolvimento aos africanos.
De ferir que, actualmente, um dos assuntos marcantes das Relações Internacionais é a cooperação internacional para o desenvolvimento. Nesse âmbito, a nível global é notória aliança de algumas economias emergentes e a criação de alguns mecanismos políticos internacionais de cooperação mútua, como por exemplo os BRICS[1] para, entre outros objectivos, fortalecer as suas economias e financiar projectos de infraestruturas assim como o desenvolvimento em países em desenvolvimento. Além disso, verifica-se uma tendência de crescente vontade de cooperação bilateral assim como multilateral entre os Estados, com o diálogo político entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, enaltecendo a necessidade de uma maior articulação entre os mesmos, a fim de reduzir as assimetrias económicas existentes a nível do Sistema Internacional.
Em África, as tendências não fogem as regras globais. A china tem vindo a ganhar espaço como parceiro fundamental para as economias dos Estados africanos. Desde a criação do fórum de cooperação Sino-Africano FOCAC em 2000, as relações entre a china e os países africanos tem crescido consideravelmente. A china passou a ser um parceiro para a reconstrução do continente empobrecido pelo imperialismo, endividado e devastados pelas guerras civis internas (Banze 2017:02). Em resultado do seu engajamento na cooperação, em 2009 a China tornou-se no principal investidor em África, deixando para trás os EUA e a União Europeia, tidos como parceiros tradicionais de cooperação do continente (Ibid).
Em Moçambique, a China tende a mostrar-se como um dos principais parceiros económicos. Em 2016 por exemplo, Banze (2017:02) refere que aquele país asiático chegou ao topo dos investidores em Moçambique, atingindo a quase 60% do total de IDE. A base de investimento chinês em Moçambique tende a alargar-se, passando desde o comércio geral, importação e exportação, infraestruturas até aos recursos naturais. Aliás, na República de Moçambique a China está ou esteve em frente de quase todas as obras de grande vulto, como é o caso da Ponte Maputo – Katembe, a estrada circular de Maputo, a reabilitação e ampliação do aeroporto Internacional de Maputo e da Estrada Nacional n°6, que liga a Cidade da Beira e Machipanda, província de Sofala e Manica respectivamente. Salienta-se que, honestamente o governo chinês tem apresentado uma estratégia de Cooperação Sul-Sul (CSS) como alicerce fundamental em sua aproximação com a África em geral e com o Estado moçambicano em particular.
Porém, em Moçambique esta cooperação tem sido alvo de um debate aceso em diferentes estratos sociais, desde os políticos, acadêmicos e a sociedade civil, devido a forma destruidora como alguns investidores chineses exploram os recursos naturais no país, com destaque para a exploração desenfreada de madeira e dos mariscos. Aliás, a múltipla literatura sobre a presença da China em Moçambique, apresenta duas visões controvérsias. Uma visão que mostra que a cooperação China-Moçambique é uma reprodução das relações Norte-Sul, que empurra o Sul a especializar-se na produção de matérias-primas e o Norte em produtos manufacturados. A outra visão olha para esta cooperação como alternativa para a diversificação das fontes de investimentos, baseada na cooperação Sul-Sul, dentro de princípios de solidariedade.
Acredita-se que as duas visões reflectem a realidade da cooperação Sino-moçambicana visto que, apesar de trazer vantagens neste país africano, os investimentos chineses têm-se concentrado em sectores estratégicos como é o caso dos recursos naturais dilapidando-os por vezes ilegalmente, para além da exploração quase desumana da mão-de-obra moçambicana em todas as actividades em que estejam a operar. Portanto, é nesse contexto em que se reflecte nos contornos desta cooperação.
Justificativa
Há décadas, a cooperação China-África em geral e China-Moçambique em particular, tem observado um crescimento considerável sobretudo nas áreas da económica. Em Moçambique, a história mostra que ao longo dos tempos, esta cooperação vinha sendo acolhida positivamente pelas autoridades governamentais assim como os outros actores da sociedade, chegando a ser descrita como uma relação promissora para alavancar a economia nacional, por oferecer a possibilidade de diversidade e menos condicionalismo no que diz respeito a alocação dos investimentos, em relação aos outros parceiros de cooperação nesse âmbito.
Todavia, como se referiu acima, nos últimos anos, esta cooperação tem sido alvo de muitas críticas e debates em Moçambique, devido, entre outros motivos, a forma desumana e devastadora de exploração de recursos naturais por parte de alguns investidores chineses que operam em diversas áreas da economia nacional, por vezes violando os instrumentos jurídicos legais que regulam a exploração dos mesmos, o que concorre para a descredibilização do empresariado chinês no país. Por isso, a pesquisa deste tema é extremamente importante porque, por um lado, permite-nos apurar as oportunidades, os desafios e as perspectivas desta cooperação para Moçambique. Por outro, chama-nos a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre os contornos desta cooperação, contribuindo desta forma, quer para o campo acadêmico, quer para o social.
Período pós-guerra civil e a implantação do multipartidarismo em Moçambique
Actualmente, a presença chinesa em Moçambique e um pouco por todo o continente africano é mais notável do que nunca, sobretudo no campo económico. Segundo Chichava (2010:340), Moçambique viu a sua cooperação com a China ganhar mais importância a partir do período pós-guerra civil e a implementação do multipartidarismo em Moçambique nos anos 90, período em que os dois países assinaram vários acordos de cooperação em várias áreas ao nível bilateral.
O mesmo autor sublinha que a actual cooperação entre a China e Moçambique foi gradualmente reconstruída em 1997-1998 com um fundo de 20 milhões proporcionados pelo Banco Exim da China, com vista a proporcionar incentivos para as companhias Chinesas começarem a fazer negócios em Moçambique, bem como para a construção de um novo edifício para a embaixada e de um centro comercial administrado pelo Gabinete do Assessor ou Conselheiro para Assuntos Económicos, na baixa da cidade de Maputo. A partir deste período, a cooperação técnica diversificou-se e intensificou-se continuamente. O apoio e a formação ou treinamento da força militar moçambicana foram renovados, foram construídas casas para soldados no valor de 7 milhões e doado pela China, um valor adicional de 150.000 dólares em equipamento.
CONCLUSÃO
A presente pesquisa tinha por objectivo, reflectir sobre os desafios da cooperação Moçambique – China para o desenvolvimento económico de Moçambique. Igualmente, pretendia-se identificar os factores que ditaram a transformação da cooperação ideológica para a económico entre Moçambique e China, avaliar os interesses da China em Moçambique e discutir os desafios da cooperação económica Moçambique - China para o desenvolvimento económico de Moçambique. Da pesquisa feita, concluiu-se que, duma forma geral, os desafios desta cooperação são enormes, destacando-se a alocação do investimento chinês para o desenvolvimento da indústria moçambicana, a transferência de tecnologia e o know-how, o cumprimento sério da legislação moçambicana por parte das empresas chinesa, nas diversas áreas onde operam em Moçambique e a tomada de medidas para evitar que Moçambique dependa económica e politicamente à China no âmbito da cooperação, dada a sua condição de pobreza e a condição económica e financeira da China.
Quanto aos factores que ditaram a transformação da cooperação ideológica para a económico entre Moçambique e China, destaca-se que, por parte da China, enquadram-se na sua visão da política externa para a África, virada para a satisfação do seu interesse económico, facto que lhe obriga a procurar celeiros para a busca de matéria-prima e mercado para seus produtos e serviços assim como oportunidades de emprego para os trabalhadores chineses. Enquanto para Moçambique, destaca-se a adopção do sistema capitalista, tendo o país se sentido na obrigação de se desfazer das anteriores políticas de desenvolvimento e procurar parcerias no campo económico, com vista a responder os desafios da nova realidade, sendo a China um dos parceiros que acompanhou esta migração do país para este campo.
Relativamente ao interesse da China em Moçambique, concluiu-se que este se encontra enquadrado em três dimensões, nomeadamente: a dimensão geoestratégica, política e económica. Na primeira dimensão, enquadra-se a busca de aliados estratégicos fora do arredor geoestratégico e redução da vulnerabilidade chinesa em relação ao engajamento ocidental no extremo oriente e no sudoeste asiático, assim como o contorno do poder indiano na região do Oceano Índico. Na segunda dimensão, destaca-se a necessidade da China garantir o voto de Moçambique em grandes fóruns internacionais, sobretudo das Nações Unidas, quando se pretende decidir sobre assuntos do seu interesse. Recorda-se que o regime político chinês tem sido alvo de críticas da maioria dos Estados ocidentais, o pressionando para uma abertura democrática. Na terceira dimensão se destaca a necessidade de garantir a matéria-prima para alimentar suas indústrias, assim como a procura de mercado para os seus produtos e serviços. Portanto, sendo a China uma economia em ascensão e com limitações em matérias-primas estratégicas, ela precisa garantir o acesso e o controlo dos recursos que necessita, incluindo oportunidades de emprego para os seus cidadãos em Moçambique.
Portanto, reconhece-se que apesar de alguns desafios arrolados nesta pesquisa e não só, duma forma geral, a avaliação da cooperação económica Moçambique - China para o desenvolvimento de económico de Moçambique, está num bom estágio e tem implicações positivas para este país, pois, tanto responsáveis governamentais como empresários moçambicanos avaliam de forma positiva a crescente presença comercial e a multiplicação dos investimentos da China em Moçambique, destacando a maior flexibilidade no acesso a financiamentos chineses e investimentos em infraestruturas vitais.

Jaime Antonio Saia
Licenciado em Relações internacionais e Diplomacia pela Universidade Joaquim Chissano (Maputo, Moçambique) Mestrando em Resolução de Conflictos e Mediação. Analista de política internacional na TVM ( Televisão de Moçambique), Soico TV (STV), na Média Mais TV, além de colunista da Revista Zambeze. Pesquisador do CERES (Centro de Estudos das Relações Internacionais) e palestrante em áreas sociais e políticas em Moçambique.
Autor do livro As Relações Internacionais desde Moçambique.Com ampla experiência em Gestão de Empresas.
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[1] BRICS é um acrónimo utilizado para designar o grupo de países de economias emergentes, onde fazem parte o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
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