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Vaticano e a figura eclesiástica do Papa Emérito

Atualizado: 26 de set. de 2023

Quando em 2013, o então Papa Bento XVI anunciou ao mundo e, principalmente, para a Cúria Romana sua renúncia, a Santa Sé demonstrou seu total despreparo com o ineditismo do acontecimento. Porém, a consequência deste evento se mostrou ainda mais impactante.


Ratzinger, ao anunciar sua renúncia ao trono, fez estremecer as colunatas da Piazza SanPietro e bagunçar o Direito Canônico. De fato, dois Papas vivos vestidos de branco e com forte presença dentro da Igreja Católica Romana seria um pouco confuso para uma Igreja que estava na época convivendo com sucessivos escândalos de bispos e ao mesmo tempo buscando uma maior transparência junto aos fiéis.


Por outro lado, em termos políticos, a existência da figura do Papa Emérito Bento XVI de imediato seria a possibilidade de correntes conservadoras da Igreja frearem a abertura que o Papa Francisco poderia implantar na Igreja Católica. Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, chegou ao trono papal em desacordo com posicionamentos que estavam enraizadas durante gerações de papas antes dele. E um papa paralelo seria este freio.


Pouco divulgado na época, o conclave papal após a morte do Papa João Paulo II foi uma disputa entre Bento XVI e Francisco. Na época, o Conclave dos Cardeais optou por um religioso de visões rígidas sobre o catolicismo. Em sua trajetória, Ratzinger sempre se mostrou um teólogo em defesa da doutrina católica tradicional e colocou esta vertente religiosa em prática durante seu pontificado. Extremamente conservador tentou ao máximo distanciar dos portões do Vaticano alguns temas delicados como o aborto e a homossexualidade. Muito embora, publicações e relatórios apresentem que Bento XVI, em seu período como arcebispo de Munique e Freising, foi de certo modo pouco atento aos abusos sexuais cometidos pelo clero local.


Independente das verdades secretas, o que se tem de concreto é que o Papa Bento XVI foi um dos maiores teólogos de sua época. Ao renunciar ao papado o fez com sabedoria ao perceber sua incapacidade física em continuar seu trabalho na Casa de São Pedro.


O período em que Ratzinger viveu no retiro do Vaticano não se mostrou muito ativo. A ideia de um Papa Emérito que, mesmo debilitado fisicamente, estivesse alinhado aos pensamentos conservadores da vida pública da Igreja não aconteceu. Felizmente.


A delicada questão que se forma é relativa ao Direito Canônico. A morte de Bento XVI, abre a possibilidade de regular a figura do Papa Emérito. Bento XVI anunciou sua decisão sem que a Santa Sé, jurisdição eclesiástica da Igreja Católica, estudasse regras precisas aprovadas pelos órgãos competentes.


O papa alemão optou por permanecer vestido de branco e ser chamado de Papa Emérito, mas tudo em um vácuo normativo. É preciso protocolar o papel de um papa que renunciou. Mudanças nas tradições conservadoras da Igreja Católica nem sempre foram facilmente implementadas. A normalização de um Papa Emérito abre caminho para a possibilidade de existência viva de duas correntes de pensamento católico. Isto, claro, quando o confronto de ideias for extremamente nítido.


O grande temor dos cardeais da Igreja Católica é que a existência de dois papas não se restringe somente ao enfraquecimento da unidade da Igreja. O certo é que se o Papa Francisco, que já demonstra pouca energia, repetir o gesto de seu antecessor teremos de fato uma nova tradição papal.


E, a nova tradição será acompanhada por mudanças na escolha do novo pontífice. A eleição realizada na Capela Sistina seguirá uma linha política jamais vista em votações anteriores. Habemus papam, de olho no emérito.




*Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e analista de Geopolítica Energética. Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal e Membro do CERES - Centro de Estudos das Relações Internacionais. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pós-graduando em Relações Internacionais pelo Ibmec. Atua como colunista e comentarista de geopolítica energética do site Mente Mundo Relações Internacionais. Colaborador de colunas de petróleo, gás e energia em diversos sites da área. Contato: rutledge@eq.ufrj.br

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