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CRIME E CASTIGO: O Cidadão de Bem como Reflexo do Ser Extraordinário de Raskolnikov

  • Foto do escritor: CERES
    CERES
  • 16 de out.
  • 5 min de leitura

Dostoievski é, sem dúvida, um dos grandes nomes da literatura mundial. Seus livros nos apresentam histórias e personagens incríveis: Crime e Castigo, os Irmãos Karamazov, Os Demônios, O Idiota, Memórias do Subsolo, são alguns dos títulos que mostram a grandiosidade do autor. Aqui ficaremos com Crime e Castigo.


O livro, como é sabido, trata-se um crime cometido por um jovem estudante de Direito, Raskolnikov, e que nos apresenta, no decorrer do enredo uma teoria na qual divide a humanidade em dois tipos, a saber: os extraordinários e os ordinários.


A personagem, em todo seu narcisismo, egoísmo, prepotência, desenvolve uma ideia da qual existem pessoas ordinárias que, por sua vez, devem seguir as leis, os costumes, a moral, e viver suas vidas comuns. Já os seres extraordinários, estes podem transgredir as leis, a moral, sendo assim, podendo cometer crimes por um “bem maior”. Para Raskolnikov, há algumas ações que são justificáveis pois elas apresentam um “bem maior” à humanidade. O exemplo que ele dá em seu artigo é o de Napoleão.


O estudante de Direito acredita que se um ser extraordinário mata um agiota que comete o crime de usura, que se beneficia da necessidade dos outros, esse assassinato está transgredindo a lei por um “bem maior”, o qual vai beneficiar a sociedade.


No Brasil e no mundo existem muitos políticos atualmente que se colocam como esses seres extraordinários e assim, como Napoleão que, segundo Raskolnikov, transgrediu leis morais e jurídicas para servir a um bem maior, esses líderes políticos podem fazer o mesmo.

Aqui no Brasil, por exemplo, surgiram figuras messiânicas que quiseram se apresentar acima da lei, das instituições democráticas de direito. A retórica é a conhecida: “eu sou o que pode salvar o país e vocês”. Esses seres “extraordinários” acreditam que um Golpe de Estado pode e deve ser levado a cabo pelo bem maior da sociedade.


Dessa forma, esses homens extraordinários podem recusar vacinas e não se dizerem coveiros em prol do bem maior do Estado. O ser extraordinário pode dizer que as minorias devem se adequar à maioria por um bem maior, é claro, da “maioria”. Um ser extraordinário nesses moldes vai ser aplaudido quando dizer “eu sou favorável à tortura, tu sabe disso” ou mais incisivo “o erro da ditadura foi ter torturado e não matado”, ou, como Estadista afirmar que se “coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto."


Assim, o líder político extraordinário, justifica abusos de poderes como necessários para salvar uma nação, enfraquecem as instituições democráticas em nome da “vontade do povo”, e a população aceita tamanhas violações porque acreditam na figura messiânica do homem extraordinário.


Além do mais, ainda por cima, alguns dos seguidores de figuras extraordinárias também se sentem extraordinárias. O ser que mata um gari que está trabalhando, apenas porque não pode esperar alguns minutos, e depois vai passear com seu cachorro, ir para academia, não só vê na figura de alguém um ser extraordinário, como também se ver sendo um.


Há também outro fenômeno no Brasil que poderíamos citar: os linchamentos. Segundo o sociólogo José de Souza Martins, autor do livro Linchamentos: A Justiça Popular no Brasil, cerca de um milhão de brasileiros participaram de linchamentos nos últimos 60 anos. A maior parte das vítimas são homens jovens, negros, pobres e desempregados[1].


Nesse sentido, o “cidadão de bem”, que se acha um extraordinário, se vê apto à transgressão de leis para matar um criminoso. Nesse caso, O linchamento é uma manifestação da massa que segue a mesma lógica: eles se acham no direito legal de punir alguém sem julgamento sendo eles o Juiz, o executor e o redentor, tudo em prol de um “bem maior”.


Tal como Raskolnikov se vê acima da lei e mata uma agiota para limpar a sociedade do mal, desse mesmo modo são essas pessoas que vemos frequentemente em manchetes de jornal, “purificando” a sociedade, mas isto não é justiça é a barbárie travestida de justiça.

Dostoievski em sua celebre obra faz uma bela crítica a qual pretende demostrar como essa arrogância moral, essa justiça relativa, esses seres superiores são em si, o resultado e destruição, não redenção.


A personagem do enredo cai em desgraça, ele sente um peso imenso psicológico, moral, o qual acaba por se entregar à polícia e paga por seu crime, mostrando para si mesmo como sua teoria é falha, absurda e como homem deve sempre reconhecer seus limites: “o homem não pode viver sem se curvar diante de algo”. O homem, por mais orgulhoso que seja, deve entender que existem limites, seja a lei, a moral, ou até mesmo sua fé. Ninguém escapa das consequências éticas de suas ações.


A pretensão de ser o salvador do povo, o messias, ou um Juiz, um executor de sentenças, só nos leva à ruína. O líder que se vê como extraordinário a ponto de se sentir autorizado a romper com a moral, com as leis, com instituições democráticas de direito só pode causar dano, um justiceiro não é um herói, é um criminoso.


Dostoievski nos ensina que o verdadeiro poder não está em se colocar acima da lei, mas em reconhecer seus limites e agir dentro deles. A democracia não precisa de homens extraordinários, a democracia precisa de instituições fortes e cidadãos conscientes, que entendem existem limites dos quais não devemos extrapolar. A sociedade não precisa de justiceiros que agem com furor e ódio matando porque se acham melhores moralmente, a sociedade precisa de consciência moral para entender que um crime não justifica outro crime, mas que, ao se matar um criminoso com as próprias mãos, tornamo-nos o que estamos tentando extinguir: criminosos.

 

 

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 Genildo Pereira Galvão

Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário IESB. Cursou um semestre do seu curso na Universidad Autónoma de Guadalajara, México. Conquistou essa oportunidade em um programa de bolsas do Programa Santander Universidades, no qual ficou entre os 9 selecionados do processo seletivo de 2017. Iniciou uma Licenciatura em História, em 2021, que trancou para iniciar uma em Filosofia que segue cursando. Trabalhou no Ministério da Educação como Analista Jurídico Júnior pela THS Tecnologia.



 

REFERÊNCIAS

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. Tradução de Rubens Figueiredo. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2019.

 

Marafon, R., & Costa Eccard, A. F. (2023). Uma análise do direito ao crime na obra de Fiódor Dostoiévski. Revista Videre, 15(33), 141–157. https://doi.org/10.30612/videre.v15i33.17315

 


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