LIKE o novo capital. Como estimular o estudo e a formação em tempos de TikTok, YouTube e Instagram?
- CERES

- há 14 minutos
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Durante décadas, à geração millennial foi transmitida uma ideia tão simples quanto poderosa: uma boa formação acadêmica era a chave para uma vida digna, estável e autônoma. Estudar não era apenas um dever, mas um investimento racional no futuro. No entanto, esse pacto implícito entre educação, esforço e bem-estar parece hoje profundamente corroído.
Em praticamente todos os países — tanto economias emergentes quanto desenvolvidas — observamos o mesmo fenômeno: pessoas altamente qualificadas que não conseguem se emancipar, profissionais com ensino superior dividindo moradia até uma idade já avançada, ou mesmo vivendo em trailers ou caravanas, não por escolha, mas por necessidade. Engenheiros, professores, técnicos e especialistas que, mesmo trabalhando em tempo integral, não conseguem chegar ao fim do mês.
Há apenas uma ou duas gerações, um único salário era suficiente para sustentar um lar. Hoje, mesmo com duas rendas, muitas famílias vivem no limite da precariedade. A especulação imobiliária — cujo colapso levou a Europa a uma de suas maiores crises há pouco mais de uma década —, somada à pobreza laboral estrutural e a uma lógica empresarial centrada em maximizar lucros com a redução de custos, esvaziou de sentido a promessa do mérito. O resultado é uma geração sem capacidade real de poupança e, portanto, sem horizonte de planejamento de longo prazo.
Likes como novo capital simbólico
Paralelamente a esse processo de desvalorização do trabalho qualificado, emerge outro fenômeno difícil de ignorar: adolescentes e jovens que acumulam fortunas consideráveis criando conteúdo nas redes sociais. Danças virais, opiniões superficiais sobre temas complexos, venda de cursos milagrosos ou estilos de vida aspiracionais geram rendimentos que o mercado de trabalho tradicional já não consegue igualar para a maioria.
Não se trata de demonizar a criação de conteúdo digital. As plataformas abriram espaços legítimos de criatividade, comunicação e empreendedorismo. O problema não é a existência desse mercado, mas a proporção que ele alcançou e a mensagem implícita que transmite: o sucesso deixa de estar associado ao conhecimento, à experiência ou à especialização e passa a depender da visibilidade, da viralidade e da aprovação algorítmica.
Assim, os estudos acadêmicos sofrem uma progressiva desvalorização simbólica, enquanto os likes se transformam em certificados sociais de sucesso. O reconhecimento deixa de vir do saber e passa a depender de métricas opacas, voláteis e profundamente desiguais.
Educar na contradição
Diante desse cenário, as novas gerações de pais e mães enfrentam uma paradoxa inquietante. Como transmitir aos filhos a importância do estudo e da especialização quando os referenciais sociais visíveis são, em muitos casos, pessoas presas à precariedade laboral, enquanto outros prosperam criando conteúdo sem aparente formação?
A contradição se aprofunda quando consideramos que o próprio mercado de trabalho exige cada vez mais formação multidisciplinar, atualização constante e competências complexas, sem que isso se traduza necessariamente em melhores condições de vida. A mensagem que os jovens recebem é ambígua: estudar é necessário, mas não suficiente; esforçar-se é valioso, mas nem sempre compensador.
Algoritmos, bolhas e valores
Em alguns contextos, como o chinês, o Estado começou a intervir. Uma nova legislação exige que influenciadores comprovem formação para poder se pronunciar publicamente sobre determinados temas. Para além do debate sobre controle e liberdade, a medida revela uma preocupação clara: a autoridade simbólica sem conhecimento produz efeitos sociais reais.
Em grande parte do mundo ocidental, por outro lado, as redes sociais operam por meio de bolhas algorítmicas que reforçam preconceitos, distorcem valores, atacam o diferente e legitimam discursos simplistas sob a justificativa de um like. A viralidade substitui o critério, e a emoção imediata desloca o pensamento crítico.
Recuperar o sentido do conhecimento
O desafio não é opor estudos e redes sociais como mundos incompatíveis, mas redefinir o valor do conhecimento em uma economia da atenção. Estimular o estudo hoje não pode se apoiar apenas na promessa de estabilidade material, porque essa promessa já não é crível para muitos. Deve se fundamentar em algo mais profundo: a capacidade do conhecimento de oferecer autonomia intelectual, compreensão do mundo e ferramentas para não se tornar refém da imediatidade.
Educar nesses tempos implica ensinar a distinguir visibilidade de valor, sucesso econômico de contribuição social, opinião de conhecimento. Implica também reconhecer as falhas estruturais do sistema e evitar responsabilizar individualmente aqueles que questionam um caminho que já não garante o que prometia.
Talvez a pergunta não seja apenas como estimular o estudo na era do TikTok, mas que tipo de sociedade estamos construindo quando o saber perde prestígio e a superficialidade é recompensada. Porque, no fim das contas, uma comunidade que renuncia ao conhecimento dificilmente conseguirá planejar seu futuro para além do próximo vídeo viral.

Wesley Sá Teles Guerra
Fundador do CERES e Paradiplomata. Poliglota, residente em Madrid, onde atua como Gestor do Fundo de Cooperação Triangular Europa, América Latina e África. Formado em Negociações Internacionais pelo Centro de Promoção Econômica de El Prat (Barcelona), Bacharel Administração pela Universidade Católica de Brasilia, Pós graduado em Relações Internacionais e Ciências Políticas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Mestrado em Políticas Sociais e Intervenção Sócio-Comunitária com Especialização em Migrações pela Universidad de La Coruña (Espanha), MBA Marketing Internacional MIB (Massachussetts-EUA), Global MBA ILADEC, Mestrado em Gestão e Planejamento de Smarticities pela Universitat Carlemany (Andorra), Doutorando em Sociologia na UNED (Espanha). Especialista em Paradiplomacia, Desenvolvimento Econômico e Cidades Inteligentes, Cooperação Internacional e Migrações. Autor dos livros: "Cadernos de Paradiplomacia", "Paradiplomacy Reviews" e "Manual de Sobrevivência das Relações Internacionais". Comentarista convidado pela CBN Recife e finalista do prêmio ABANCA para investigação acadêmica.
Atuou como Paradiplomata do Governo da Catalunha durante o "procés" processo de autodeterminação da região da Catalunha (Espanha), também foi membro do IGADI, Instituto Galego de Análise e Documentação Internacional e coordenador do OGALUS, Observatório Galego da Lusofonia, sendo o responsável pelo estudo Relações entre Galicia e Brasil. Assim mesmo foi o primeiro brasileiro a se candidatar em uma eleição na cidade de Ourense (Espanha).
Foi editor executivo da revista ELA do IAPSS e é membro de diversas instituições tais como CEDEPEM, ECP, Smartcities Council e REPIT.





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